A formação inédita de 150 horas, realizada em parceria com Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), por meio do Observatório dos Conflitos Agrosocioambientais do Oeste da Bahia, foi destinada à atualização de advogados e advogadas que atuam em contextos de conflito no campo
“A Assessoria Jurídica Popular é revolucionária. Ela profana os templos do ordenamento jurídico”. Foi com esse espírito aguerrido, lembrado pelo nosso presidente João Regis, que no dia 10 de novembro, a AATR teve a honra de formar a sua primeira turma do curso de formação para advocacia popular. Com o tema “Estratégias e desafios para atuação no Cerrado/Matopiba”, o curso contou com a participação de cursistas advogadas/os populares de diversas regiões do Brasil.
Foram seis meses de uma jornada que buscou, com a contribuição de advogadas/os populares, pesquisadoras/es, professoras/es, ativistas, munir de ferramentas advogadas/os com vistas a fortalecer a atuação junto ao bioma Cerrado. Os encontros de formação em Brasília-DF possibilitaram se apropriar do contexto jurídico-político, formatar estratégias de enfrentamento à Fronteira Agrícola do Matopiba. De 8 a 10 de novembro, Salvador-BA foi a cidade escolhida para a realização das atividades da quarta e última etapa, bem como da solenidade de encerramento.
As atividades foram voltadas para a formação extensiva de advogadas e advogados e se encerram com esse quarto e último módulo que teve como tema geral "A criminalização dos movimentos sociais e as estratégias de defesa e proteção da advocacia popular". Entre os conteúdos tratados estiveram presentes: a exposição artigo sobre o banditismo da classe patronal rural; casos sobre atuação em delegacias e estratégias de acompanhamento de inquéritos; e responsabilização de agentes promotores de violências contra as comunidades.
Durante a manhã da sexta-feira (8), primeiro dia da formação, os/as cursistas contaram com a facilitação de Vanessa Lopes (UFT) e da associada da AATR, Marília Lomanto. Elas apresentaram suas experiências de atuação e estudos que possibilitaram o aprofundamento da discussão. Em sua intervenção, Vanessa compartilhou casos de processos com narrativas criminalizantes e quando agentes da Justiça têm comportamentos divergentes com integrantes de movimentos sociais e os ruralistas. Por sua vez, Marília partilhou percepções sobre criminalização e o desafio que é elaborar esse conceito e convocou a advocacia popular a "enfrentar, desconstruir e decolonizar o direito penal".
Entre as reflexões realizadas durante a manhã da sexta-feira, o cursista Américo, apontou uma inquietação sobre uma nova modalidade de atuação de militância mais dependente das assessorias jurídicas, que de uns anos para cá têm recorrido mais ao sistema de justiça. Para Vanessa, há uma dialética com relação a essa questão, pois ainda não existe um protocolo de salvaguarda das pessoas envolvidas em ações judiciais, "Temos que pensar coletivamente como atuar, alguns movimentos têm usado nos processos apenas integrantes que ainda não tenham outros processos, mas ainda não existe um método seguro e uniforme", apontou.
Vivências e violência no campo
Quem abriu a tarde de sexta-feira foi a professora da UFF e pesquisadora sobre violência no campo, Ana Maria Motta Ribeiro, que apresentou detalhes sobre um artigo de sua autoria sobre banditismo da classe patronal rural. Na ocasião, a estudiosa traçou um panorama sobre caminhos fora da lei seguidos por grupos de ruralistas.
Já Noaldo Meireles, assessor jurídico da CPT/PB, descortinou a "Atuação em delegacias e estratégias de acompanhamento de inquéritos". Em sua fala, o advogado falou sobre os cuidados que os defensores de agentes dos direitos humanos precisam ter ao atuarem em regiões de conflitos. Noaldo ainda exemplificou situações em que intimações chegam de forma irregular e deu orientações práticas de como proceder para evitar a criminalização indevida de ativistas dos direitos humanos. Entre as recomendações, a primeira é nunca ir a uma delegacia sozinho/a.
Na manhã de sábado (9/11), os cursistas compartilharam em grupo o tema e o status de artigos que serão escritos, em adição à formação, a partir da experiência vivida no curso. Na ocasião, os colegas puderam fazer contribuições práticas sobre os caminhos que os autores podem seguir. Retomando a discussão sobre violência nos territórios, a pesquisa “Massacres no Campo” foi o destaque da tarde, de autoria das pesquisadoras Carla Benitez, da UNILAB e Maria José (UFOB). As autoras apresentaram casos emblemáticos e reais de massacres no campo nos quais a advocacia popular atuou para alcançar a responsabilização penal de executores e mandantes. É o caso de Eldorado dos Carajás e Pau D’arco.
Fortalecimento da Advocacia Popular
Com mais de 30 anos de atuação com o curso Juristas Leigos que sempre buscou a socialização e o “desencastelamento” do saber jurídico voltado para a atuação de lideranças de comunidades e movimentos sociais, a AATR agora propõe um olhar também para advogados populares, a fim de fortalecer estratégias jurídicas e engajar a atuação dessas/es profissionais na Advocacia Popular em rede. Aryelle Almeida, assessora jurídica da AATR e uma das organizadoras do curso, comenta que a ideia partiu de uma busca por convidar advogados populares que estão pelo Brasil atuando de forma individual e fazer essa troca de conhecimento. “Nós achamos que era importante pegar o capital de conhecimento acumulado pela AATR na assessoria jurídica e colocar em diálogo com outras experiências de advocacia popular que são muito importantes, para que estas não fiquem isoladas em seus estados.”
Silvana Sena, do setor Administrativo da AATR, e também uma das organizadoras da atividade lembrou a importância da diversidade que advogadas/os de diversos estados trouxeram para a atividade. “Cada um levou para o seu estado uma sementinha de inquietação que ajuda no fortalecimento da luta”, sinalizou. Com a inspiração do nosso patrono Eugênio Lyra, que nos lembra que “A luta é que é o rumo”, o domingo foi dedicado a celebrar a importância e as conquistas da Advocacia Popular a partir da trajetória da AATR. O momento foi encerrado com a solenidade de entrega dos certificados e confraternização com a turma.
Texto e fotos: Ascom/AATR
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