A Articulação Estadual das Comunidades Tradicionais de Fundo e Fecho de Pasto lançou, na última sexta (10/07), uma carta aberta onde repudia a postura do Estado da Bahia frente as comunidades. O documento exige a revisão da instrução normativa conjunta 01/2020, que dispõe sobre a regularização fundiária de terras devolutas com potencial de geração de energia eólica. "Propomos, que até que se passe este momento de calamidade em todo o território do Estado da Bahia, em decorrência do COVID-19, o Governo do Estado não implemente nenhuma ação que não esteja direcionada ao enfrentamento da pandemia em nossas comunidades", diz trecho da carta.
O documento também destaca que entre 2007 e 2017 houve a paralisação das ações de regularização dos territórios, que foram retomadas com procedimentos que não foram construídos com a participação efetiva das comunidades e são inadequados à realidade dos fundos e fechos de pasto, pois desconsideram o princípio da autodemarcação e autogestão do território.
Confira nota na íntegra:
Carta Aberta da Articulação Estadual das Comunidades Tradicionais de Fundo e Fecho de Pasto
É com imensa perplexidade que nós, da Articulação Estadual das Comunidades Tradicionais de Fundo e Fecho de Pasto, vimos por meio desta, repudiar a forma como o Estado da Bahia vem agindo com nossas comunidades, pois, os últimos governos do Estado têm usado, de forma irresponsável e desrespeitosa, sucessivas tentativas de moldar nosso modo de vida. Além disso, no ano de 2007 paralisou-se as ações de
regularização dos nossos territórios tradicionalmente ocupados e quando retomou, mais de uma década depois, os procedimentos adotados são inadequados à realidade das comunidades, não respeitando o princípio da autodemarcação e autogestão do território.
A permanência em nossos territórios tem se tornado cada vez mais um ato de resistência, diante das mazelas cometidas pela ingerência de setores da administração pública estadual que tem adotado ações de incentivos e facilitação à implantação de grandes empreendimentos de setores capitalista selvagem, em detrimento dos direitos das comunidades, que vem sendo violados pelo próprio estado. Nos últimos meses a vida nas comunidades não tem sido fácil, uma vez que estamos tentando sobreviver a uma pandemia que já ceifou vida de milhares de pessoas em nosso país e ainda temos que lidar com ações intempestivas do Governo do Estado que representam ameaças reais ao modo de viver de nossas famílias.
Portanto, o Estado da Bahia tem sido negligente com a regularização de nossas áreas coletivas, sendo que os últimos títulos de terra foram entregues no ano de 2006 e ao longo desse tempo é perceptível a intensificação da regularização das áreas individuais. Como se não bastasse às situações de conflitos que já nos afetam, recentemente o Governo da Bahia, por meio da instrução normativa conjunta 01/2020, incentiva à implantação de parques de energia eólica em nossas áreas, ameaçando ainda mais nosso modo de ser, viver e fazer. Por estas razões, REPUDIAMOS veementemente mais essa investida do Estado contra as comunidades, que nos causa insegurança sobre a ocupação de nossos territórios, elaborada sem nenhum
procedimento de escuta às representações legítimas dessas comunidades. No entanto, as tentativas de nos invisibilizar tem sido recorrentes, haja vista a instrumentalização de um marco temporal para que protocolássemos pedido de certificação de autodefinição e de regularização de nossos territórios até dezembro de 2018, uma atitude imoral, injusta, ilegal e acima de tudo inconstitucional, para com as comunidades.
Salientamos ainda que não tivemos participação efetiva nos procedimentos para construção do instrumento de regularização fundiária de nossas áreas coletivas e que as ações do Governo do Estado, implementadas nas comunidades Tradicionais de Fundo ou Fecho de Pasto, dialogadas de forma isolada, com pessoas sem representação na Articulação Estadual das Comunidades Tradicionais de Fundo e Fecho de Pasto, não poderão ser consideradas legítimas, uma vez que a Articulação é a instância que representa centenas de comunidades das mais diversas regiões do Estado com reconhecimento por seus pares e por diversas entidades parceiras, além de estar presente em várias cadeiras de fóruns de debates e de construção de políticas públicas.
Por fim, exigimos a revisão da instrução normativa conjunta 01/2020 de forma que ela não se aplique às terras tradicionalmente ocupadas por Fundos e Fechos de Pasto e que seja assegurada a escuta legítima e efetiva das comunidades. Propomos, que até que se passe este momento de calamidade em todo o território do Estado da Bahia, em decorrência do COVID-19, o Governo do Estado não implemente nenhuma ação que não esteja direcionada ao enfretamento da pandemia em nossas comunidades.
Necessitamos de iniciativas que digam respeito ao nosso modo vida e não que ameacem nossos territórios. É inadmissível que o estado da Bahia não nos respeite, não nos escute e não crie instrumento que nos garanta a devida proteção, isto por sermos uma parcela bastante expressiva da população baiana com mais de 1000 comunidades e aproximadamente 970 com reconhecimento e registro na Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado.
Fundo e Fecho de Pasto: nosso jeito de viver no território.
Uauá - BA, 10 de julho de 2020.
Articulação Estadual das Comunidades Tradicionais de Fundo e Fecho de Pasto
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