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Audiência pública no Congresso Nacional discute danos socioambientais do Projeto Matopiba

Atualizado: 5 de dez. de 2022


Os danos socioambientais do Projeto Matopiba foi tema de audiência pública no Congresso Nacional, em Brasília (DF), na última terça-feira (22/11). Solicitada pela deputada federal Luiza Erundina (PSOL/SP) e pelo deputado federal Padre João (PT/MG), a audiência foi uma iniciativa da Articulação de Resistência ao Matopiba, formada por organizações que integram a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado.


A sessão foi presidida pelos deputados Padre João (PT/MG) e Célio Moura (PT/TO) e também contou com a presença da deputada federal Erika Kokay (PT/DF). A mesa de expositores foi composta por Maurício Correia (Articulação de Resistência ao Matopiba e Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia - AATR), Aliene Barbosa (representante das comunidades de fecho de pasto - BA), Félix Carreiro (representante das comunidades da Travessia do Mirador - MA) e Urubatan Pinheiro (Comissão Pastoral da Terra - CPT).


Assista à Audiência na íntegra


O Matopiba é uma região formada por áreas majoritariamente de Cerrado nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, onde o agronegócio se expandiu a partir da segunda metade dos anos 1980. Maurício Correia apresentou aspectos de sua criação e os impactos para a região. "Quando a Embrapa fez o projeto, considerou o lugar como um vazio demográfico, sem gente, com água abundante, porque tem várias nascentes. A Embrapa disse que tem 34 comunidades quilombolas na região, o IBGE diz que tem 506, mas são muito mais. A Embrapa identificou 28 Terras Indígenas (TIs), mas o IBGE diz que tem 517 TIs. Isso mostra que o objetivo é apagar a existência dessas pessoas", explica.


Embrapa, Incra e outros órgãos do Governo Federal, apesar de convidados a participarem da audiência, não enviaram nenhuma representação ao evento.

Violações - A consolidação da fronteira agrícola tem se constituído a partir do desmatamento, grilagem e violência contra povos e comunidades tradicionais. Correia pontuou que nos últimos 20 anos, foram registrados pelo menos 2338 conflitos por terra na região. De 2000 até hoje, 13 milhões de hectares foram desmatados. O cerrado já perdeu 100 milhões de hectares dos seus 210 milhões na região do Matopiba.

"Só nós, que estamos na comunidade, sabemos o que estamos passando com esse modelo violento que atinge as comunidades. Os fecheiros estão sendo proibidos de soltar o gado no território, existem pistoleiros colocados pelo agronegócio para coagir os fecheiros. O que estamos vivendo na Bahia não é diferente do que está acontecendo no Piauí, no Tocantins e no Maranhão. Nesses territórios existe gente que quer viver, viver bem e dar continuidade ao que seus antepassados viveram nessas terras", partilhou Aliene, que encerrou sua participação na audiência afirmando que as comunidades ainda existem pela resistência. “Eu prefiro morrer de bala do que morrer de sede às margens dos nossos rios", finalizou.

Morador da Travessia do Mirador, no Maranhão, Félix Carneiro também partilhou a realidade da sua comunidade frente às violações impostas pelo projeto Matopiba. A área, localizada dentro da Amazônia Legal, é de ocupação tradicional com fortes conflitos fundiários pelo menos desde a década de 70, com a chegada de produtores rurais do sul do Brasil. O agricultor explica que desde 1978, a justiça estadual do Maranhão reconheceu a área de 500 mil hectares como terras devolutas, declarando como ilegais as propriedades reivindicadas por diversos grileiros e demandando que o estado realizasse a demarcação da área, destinando-a para reforma agrária e regularização fundiária. Em junho de 1980, o decreto 7641 transformou a área em um Parque Estadual.

“Não ouviram ninguém. A Sema (Secretaria Estadual de Meio Ambiente) colocou uma cooperativa, a Coopermira, para fazer fiscalização do Parque. Aí começou outro conflito, com a Sema e fiscais do estado, que continuaram abusando e mexendo com as famílias, proibindo o ir e vir, a criação de animais e plantios. A gente permaneceu no parque. Continuaram fiscalizando, mas de forma mais branda. Em 2008 começaram os acossos novamente, querendo limpar a área do parque e arrancar os moradores de lá. Em 2016 foi ainda pior. Chegou policial armado até com metralhadora pra gente assinar um documento. Depois da pandemia iniciaram os acossos novamente, proibindo roças e ameaçando com multas."

Urubatan Pinheiro reforça que mais de quatro décadas depois, as 78 comunidades da Travessia e seus descendentes ainda esperam o cumprimento da sentença que reconhece seus direitos. “Eles não têm direito a escola, saúde, nem benefício previdenciário conseguem acessar. Há um tratamento diferenciado para grileiros e comunidades. Se trata de terra pública, mas o estudo mostra que há fazendas e grandes grupos econômicos ali."

Realidades como essa se repetem em dezenas de comunidades nos quatro estados. Oito dos quinze casos apresentados pelo Tribunal Permanente dos Povos (TPP) no Brasil, presidido por Erundina, ocorrem no Matopiba. Durante a audiência, Joice Bonfim, Secretária Executiva da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, destacou que a sentença do júri do TPP reconheceu a responsabilidade do estado brasileiro pelos crimes de ecocídio do Cerrado e genocídio de seus povos, expedindo importantes recomendações. “Uma delas trata da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional nº 504, que estabelece o Cerrado como patrimônio nacional brasileiro e deve ser assim reconhecido constitucionalmente. Outra recomendação é priorizar a demarcação de Territórios Indígenas e a titulação de Territórios Quilombolas. Essas duas recomendações são fundamentais se quisermos fazer um enfrentamento sério aos temas aqui relatados”, concluiu.




Cobertura colaborativa Campanha Cerrado e Associação de Advogados de Trabalhadores/as Rurais do Estado da Bahia.


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