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Caderno de Conflitos no Campo Brasil 2023 é lançado na sede da OAB, em Salvador


Fotos:  Thomas Bauer – CPT Bahia


A Comissão Pastoral da Terra Regional Bahia (CPT – BA) realizou, no dia 31/07, no Auditório da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/BA), em Salvador, o lançamento do relatório “Caderno de Conflitos no Campo Brasil 2023”. Este relatório, elaborado anualmente desde 1985 pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno, da CPT, sediado em Goiânia – GO, é uma importante fonte de dados sobre conflitos no campo brasileiro.


O evento contou com a presença de agentes da CPT, de integrantes da Associação de Advogados/as Trabalhadores/as Rurais (AATR), do Grupo de Pesquisa Geografar da Universidade Federal da Bahia (UFBA), do Centro de Estudos e Ação Social (CEAS), do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), das Universidades Estaduais (UNEB e UEFS) dentre outras organizações. Foram apresentados os dados dos conflitos e analisados os contextos da violência no campo em níveis nacional e estadual. O lançamento também contou com a presença e com depoimentos de integrantes do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e de comunidades rurais atingidas por conflitos.


Segundo o relatório de 2023, foram registrados 2.203 conflitos no campo em todo o Brasil. Destes, 249 ocorreram na Bahia, tornando o estado o líder em número de conflitos. As principais vítimas desses conflitos foram sem-terra, quilombolas, indígenas, Comunidades Geraizeiras e de Fundo e Fecho de Pasto.


Durante o lançamento, os agentes da CPT, Beni Carvalho e Roseilda Cruz apresentaram dados específicos relativos ao Brasil e à Bahia. Conforme Beni Carvalho, os conflitos por água já são uma realidade. “Tivemos 225 conflitos por água em 2023, ou seja, os conflitos por água mantém uma média ao longo dos últimos dez anos. Sempre próximo ou superior aos 200 e impactam diretamente os camponeses”, relatou. “De 2016 a 2023, os conflitos por terra só crescem, a única estagnação foi em anos eleitorais e durante o começo da pandemia”, avaliou a agente da CPT, Roseilda.





A composição da mesa contou também com representantes de algumas comunidades afetadas pelos modelos de desenvolvimento implementados por corporações multinacionais e empresas. Quem abriu as falas da mesa com um cântico tradicional de sua comunidade foi Rejane Rodrigues, liderança do Quilombo Quingoma. Ela contextualizou a situação de seu quilombo e a sua, que está afastada há mais de 60 dias do seu território, com sua família, após sofrer ameaças de morte. “O Estado está falhando na nossa proteção quando não garante a nossa titulação. E, ao mesmo tempo, cortou o território do Quilombo Quingoma com a Via Metropolitana, construiu um hospital e permitiu a instalação de um condomínio de luxo pela negligência de seus órgãos ambientais”. Ela também criticou a fragilidade do programa de proteção a testemunha a assistência à sua saúde, pois segundo ela, foi atendida por um clínico-geral que iniciou tratamento psiquiátrico com ela. Consciente do contexto perigoso, ela finalizou com a reflexão de que a “terra virou ouro”.


Complementando a fala de Rejane, Anselmo Ferreira, agente da CPT, relatou que “a terra é um bem sagrado, é sinal de vida. Mas hoje vivemos em risco e sofrendo todo tipo de perseguição em nossos territórios. São conflitos causados por mineradoras e grileiros. A comunidade resiste, mas os conflitos continuam chegando nas comunidades de fundo e fecho de pasto e em outras. As violências chegam a ponto de tentativa de assassinato. Fui atingido por tiros com outros companheiros, mesmo após ter aberto boletins de ocorrência alguns dias antes”, contou Anselmo.




Reflexões


O lançamento foi fruto de uma parceria entre a CPT – BA, a Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais – AATR, o grupo de pesquisa Geografia dos Assentamentos Rurais da Bahia – GeografAR/UFBA e a Comissão Especial da Reforma Agrária e do Direito Humano à Terra e ao Território da Ordem dos Advogados/as do Brasil – OAB / Salvador.


Para André Sacramento, advogado popular e coordenador da AATR, os dados apresentados falam muito sobre a origem dos conflitos, que envolvem a disputa pela terra, pelas suas riquezas e pelas suas águas. “O espaço do campo sofre de uma invisibilidade muito grande quando falamos de violências. Alguns elementos que surgem nesses dados aparecem como novos, mas precisamos considerar duas questões: a primeira coisa que notamos nos últimos cinco, dez anos, é o avanço da profissionalização da violência armada contra as comunidades, uma pistolagem com CNPJ. A segunda, que é uma força preocupante, é o crescimento de um movimento que se denomina “Invasão Zero”, relatou. Ele também chamou atenção para a contradição do governo, que diz ser a favor das comunidades e povos tradicionais, mas garantiu um orçamento de apenas R$ 60 milhões a Funai, e viabilizou mais de R$ 400 bilhões de recursos para o maior Plano Safra da história, em benefício ao agronegócio.





Já o economista agrícola e ambientalista Jean Marc Van der Weid refletiu sobre a resistência histórica do povo brasileiro que vem sendo posto para fora de seu território desde o século XVI. “A fome de terras do agronegócio é um processo contínuo e essa velocidade depende do contexto da época. Acontece que chegamos em uma fase que não tem mais para onde fugir, portanto, só resta o enfrentamento. E o Estado nunca teve força, ou interesse para enfrentar o poder do agronegócio e implementar uma Reforma Agrária ampla. O fato é que o agronegócio sempre precisará de mais terra, sobretudo as não desgastadas, por isso, estão interessados nas terras indígenas, quilombolas e de proteção ambiental, que estão conservadas. Em contrapartida, eles abandonam terras degradadas, mas ainda assim não as deixam livres para serem reocupadas ou reflorestadas”. Mas, para Jean, o futuro passa pelo investimento em uma agricultura de menor impacto, que é mais próxima da agricultura familiar, serão os neo camponeses.


O evento foi um marco na luta por justiça no campo, trazendo à tona questões urgentes que afetam milhares de brasileiros e brasileiras em áreas rurais.


Texto: Comissão Pastoral da Terra – BA e Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais (AATR) – BA.


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