A população brasileira vem acompanhando o crescimento alarmante do número de casos de coronavírus no país e os reflexos da pandemia na dinâmica social, no sistema de saúde e no aprofundamento da crise econômica. Embora o contexto seja de caos social, com destaque para o sofrimento enfrentado por mais de 31 mil famílias que perderam seus entes, o setor minerário brasileiro segue sua marcha de exploração dos/as trabalhadores/as e da natureza.
Apoiadas pelo Governo Bolsonaro – que incluiu a mineração como “atividade essencial” por meio da publicação do Decreto nº 10.329/2020 – as empresas de mineração não paralisaram suas atividades, mesmo diante da recomendação expressa da Organização Mundial de Saúde (OMS) e dos especialistas no tema de que a prioridade neste momento é garantir o isolamento social. Desta forma, em plena crise sanitária, milhares de famílias de funcionários/as do setor e das populações localizadas nos arredores das minas estão sendo expostas a grave risco de contaminação. Tratar a atividade mineral como essencial, em meio a uma pandemia, retirando o direito ao isolamento social de trabalhadores e trabalhadoras, impondo que estes se aglomerem, é irresponsável.
Por outro lado, as mineradoras vêm apostando em ações de mídia e de propaganda para tentar criar uma imagem de que se importam com a saúde da população e que têm “responsabilidade social”. Esta imagem que as empresas buscam passar para a sociedade esconde o que de fato significa a continuidade das atividades minerárias no país: aumento das taxas de lucros das empresas e ameaça à vida de milhares de pessoas. Enquanto divulgam cartazes e vídeos com supostas iniciativas sociais, mantém trabalhadores/as e comunidades sob o medo constante de contaminarem-se pelo coronavírus.
Na Bahia, a situação não é diferente. Circulação de funcionários, explosões, realização de pesquisas em novas áreas, desmatamento da vegetação nativa, avanço sobre territórios de comunidades tradicionais e outras diversas ações seguem sendo realizadas, devido à manutenção do funcionamento dos empreendimentos de mineração espalhados nos municípios do estado, a exemplo da Mineração Caraíba S/A, em Curaçá, Juazeiro e Jaguarari; e da Mineradora Galvani, em Campo Alegre de Lourdes.
As duas empresas acima citadas têm dado continuidade às atividades durante o período da pandemia. Ao analisar os dados sobre a contaminação do coronavírus, verifica-se, por exemplo, que dois dos municípios onde estão instaladas encontram-se com altos índices de contaminação: segundo informações da Prefeitura de Campo Alegre de Lourdes, em 02/06/2020, existiam 27 casos confirmados, 88 notificações e 01 óbito. Na mesma data, o cenário em Curaçá era de 32 casos confirmados (Boletim epidemiológico nº 70 da SESAB) e 43 em investigação (informação veiculada pela Prefeitura), de um total de 223 notificações (informação veiculada pela Prefeitura). Destes casos, diversos aparentam ter relação com as atividades de mineração. Por outro lado, sabe-se que não há estrutura no Sistema Único de Saúde nestes locais que consiga absorver a explosão do número de pessoas contaminadas.
Preocupadas com este contexto, especialmente no momento em que se aproxima o pico de contaminação, as organizações abaixo listadas, compondo a Articulação em Defesa da Vida no Enfrentamento ao modelo mineral do Norte da Bahia, vêm por meio desta carta denunciar a situação e exigir que os poderes públicos adotem medidas para garantir os direitos dos/as trabalhadores/as do setor minerário, sobretudo o direito ao isolamento social com manutenção integral de seus salários, bem como de toda a população que sofre com risco de contaminação em função dos fatos já expostos, seja na cidade ou no campo. Destaca-se ainda a necessidade de que sejam realizadas ações de proteção dos povos e comunidades tradicionais que estão sob ameaça de contaminação em função das atividades minerárias, de modo que os moradores, muitos incluídos em grupos de risco, tenham a sua integridade preservada e que, em última instância, seja defendido o jeito tradicional de viver destes grupos!
Nada mais se espera que o compromisso com a vida e com a saúde da população e, nas palavras do Papa Francisco na Encíclica Laudato Si, que possamos cuidar da “nossa casa comum”, defendendo a natureza para as atuais e próximas gerações, lembrando sempre que “tudo está estreitamente interligado no mundo” e que “o meio ambiente é um bem coletivo, patrimônio de toda a humanidade e responsabilidade de todos”!
Assinam este documento:
Articulação Estadual das Comunidades Tradicionais de Fundos e Fechos de Pasto;
Articulação e Coordenação Paroquial da Juventude – ACPJ;
Articulação Sindical da Borda do Lago de Sobradinho;
Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia – AATR;
Cáritas Brasileira Regional NE 3;
Coletivo Carrapicho Virtual;
Central das Associações Integradas de Uauá – Cachiu;
Central de Fundo e Fecho de Pasto, Senhor do Bonfim;
Coletivo de Jovens da região CUC (Canudos, Uaua e Curaçá);
Comissão Pastoral da Terra – CPT;
Conselho Indigenista Missionário – Cimi;
Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP;
Cooperativa de Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá – COOPERCUC;
Fórum das entidades populares de Campo Alegre de Lourdes;
Fórum das entidades populares de Curaçá;
Instituto Popular Memorial de Canudos – IPMC;
Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada – IRPAA;
Instituto Social Antônio Conselheiro, UAUÁ – ISAC;
Movimento Pela Soberania Popular na Mineração – MAM;
Movimento dos trabalhadores rurais sem Terra – MST;
Paróquia Bom Jesus da Boa Morte, Curaçá;
Pastoral Operária;
Serviço de Assistência Socioambiental no Campo e Cidade – Sajuc;
Serviço de Assessoria a Organizações Populares Rurais – Sasop.
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Foto: Thomas Bauer
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