A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) realiza, nesta quarta-feira, 29 de setembro*, uma reunião de trabalho sobre a situação da Comunidade Quilombola de Rio dos Macacos, na Bahia, que há 5 décadas vivencia um conflito com a Marinha Brasileira, responsável pela invasão do território tradicional. Em agosto de 2020, a CIDH recomendou ao Estado Brasileiro (Resolução 44/2020) a adoção de medidas cautelares de proteção aos/as quilombolas, porém as recomendações não foram cumpridas. De modo contrário, a Marinha buscou utilizar o Poder Judiciário para privar a comunidade de fazer uso das águas dos rios que estão represadas na Barragem, de onde retiram alimento com a pesca, além da água para plantio, consumo, prática dos rituais religiosos e lazer.
“Na pandemia é uma situação muito difícil, porque quando se diz assim: lave as mãos várias vezes, lave a mão bem lavada; A gente olha para um canto, olha pro outro e não tem água para lavar as mãos”, conta Olinda Oliveira, quilombola e pescadora.
A audiência é uma solicitação da Associação de Remanescentes do Quilombo Rio dos Macacos, Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia (AATR/BA), Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, Terra de Direitos e Justiça Global. O evento contará também com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
Além de solicitarem o apoio da Comissão no alcance das medidas de proteção cautelar já pleiteadas, as organizações apresentarão mais quatro pontos imprescindíveis para assegurar a efetivação dos direitos fundamentais dos/das quilombolas:
a) Garantir a integridade física e psíquica dos quilombolas de Rio dos Macacos, por meio de mecanismos de proteção para toda a comunidade, diante dos fatos recentes que aumentam os riscos de sobrevivência, em uma conjuntura de pandemia que já expõe a comunidade à maior vulnerabilidade;
b) Construção de acessos alternativos, garantindo acesso independente e de modo seguro para as duas glebas que compõem o território tradicional pertencente à comunidade, para que não se repitam os fatos como impedimentos, restrições e violências no contexto de acesso à comunidade, controle realizado hoje por meio da Guarita da Vila Militar;
c) Imediata implementação das políticas e serviços públicos de fornecimento de saneamento básico, água encanada, energia elétrica de qualidade, iluminação pública, assistência social, , educação e segurança;
d) Findar a persistente omissão do Poder Judiciário em julgar a extinção das 03 (três) ações reivindicatórias que se encontram no TRF-1, uma vez que foi reconhecido que a propriedade do território não pertence à Marinha;
A interlocução com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos se torna ainda mais necessária e oportuna em face da recente reviravolta na decisão do juiz do Tribunal Regional Federal sobre o uso compartilhado das águas. Publicada no último dia 10 de setembro, a última decisão do desembargador Jamil Oliveira restringiu o acesso à água diante de estudos genéricos apresentados pela União que afirmam que os rios da região de Salvador estão poluídos e que não há peixes relevantes para o consumo e comércio.
Entretanto, essa decisão se baseia na fantasia criada pela Marinha que afirma conceder água para a comunidade, o que não é verdade. “Uma torneirinha tem e só cai água duas horas da manhã ou então quando chega gente no território, logo no começo, mas água da Embasa não tem dentro da comunidade”, afirma Rosemeire Santos, integrante da comunidade de Rio dos Macacos. Sendo assim, não faz sentido a Marinha alegar que disponibiliza água para a comunidade se é um fornecimento precário, irrelevante e que não supre a necessidade dos territórios.
É notório o estado de necessidade que se encontra a comunidade sem água encanada e, por isso, necessita fazer uso da água da Barragem para o consumo próprio, independente de sua qualidade diante da ausência completa de água encanada no território. A Embasa por diversas vezes indicou inviabilidade técnica na instalação, pois desconsiderou a rede da Vila Naval. Após a União entrar com Agravo de Instrumento, o juiz reconsiderou a decisão retirando a utilização da água para consumo próprio da Comunidade Quilombola de Rio dos Macacos, restando apenas do direito para uso em cultos espirituais, plantio e criação de animais e pesca com intuito de lazer.
Ancorada em um relatório de 2007, que avalia o conjunto das espécies de peixes da região, a decisão restringe também o uso da pesca somente para lazer, colocando a comunidade em situação de insegurança alimentar, tendo em vista que é evidente que muitas pessoas da comunidade fazem uso do pescado para a subsistência e para a renda familiar. “Vocês sobrevivem sem o alimento na sua mesa? Porque na maioria das vezes aqueles alimentos que estão na sua mesa, é a gente que coloca. A gente pesca com anzol, pesca com a rede, que foi isso que nossos pais nos ensinaram”, apontou Rosemeire Santos.
* A reunião foi reagendada para o dia 06 de outubro de 2021.
LINHA DO TEMPO - Para melhor entendimento dos processos de violências que tem sido sistematicamente direcionadas a comunidade, reunimos fatos importantes dos últimos dez anos. Uma trajetória marcada pela luta e resistência de um povo e pela violência e silenciamento do Estado.
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