"Não é um simples documento que a gente vai assinar, é a nossa carta de alforria", declarou Rosemeire Santos, do quilombo Rio dos Macacos, instantes antes da assinatura do título que reconhece e transfere para a Associação dos Remanescentes de Quilombo Rio dos Macacos 97,83 hectares, de um total de 301,36 hectares pertencentes ao quilombo. A assinatura aconteceu na manhã desta terça-feira (28), na sede da Superintendência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), no Centro Administrativo da Bahia (CAB), na capital baiana.
A documentação da titulação foi concluída ainda em novembro de 2019, mas a comunidade só teve acesso a informação em 30 de maio deste ano. Com a assinatura, o Incra deverá formalizar a transferência de domínio em cartório. Encerra-se o capítulo de um longo processo marcado pelo racismo institucional e pela resistência e mobilização popular, mas a luta pela efetivação de políticas públicas no território permanece.
Em meio a uma pandemia mundial, onde se recomenda a higiene frequente das mãos com água e sabão, a comunidade ainda não têm acesso à água encanada, o que preocupa os/as moradores, pois já se registram casos de contaminação pela COVID19 no território. "Além disso, a gente também precisa do uso compartilhado das águas: as fontes, o rio e a barragem. Somos uma comunidade quilombola, a gente precisa plantar, pescar, a água é a nossa vida", explica Rosemeire.
Ela também destaca a necessidade de esgotamento sanitário, construção de moradias populares e de uma estrada autônoma, que garanta o direito de ir e vir sem passar pelo controle da Vila Naval.
Associação dos Remanescentes de Quilombo Rio dos Macacos, parceiros e parte da
equipe da AATR durante a assinatura da titulação
HISTÓRICO - O conflito territorial com a Marinha do Brasil teve início nos anos 50 e se intensificou na década de 70 com a construção de uma barragem e da Vila Naval, criadas para servirem à Base Naval de Aratu, localizada a 09km do quilombo.
Ao longo do histórico de invasão protagonizado pela Marinha, os/as moradores/as da comunidade sofreram diversos processos de violência, que se intensificaram em 2009 após o Comando da Base Naval de Aratu promover, no âmbito do Poder Judiciário Federal, três ações judiciais reivindicatórias para reintegração da área e consequente expulsão de toda a comunidade.
No ano de 2011 a Fundação Palmares certificou a comunidade como remanescente de quilombo e o Incra iniciou os estudos para elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), publicado no Diário Oficial da União em 2014. Em 2018, o Ministério Público Federal l realizou uma audiência pública para debater a situação territorial da comunidade e no ano passado a Justiça Federal confirmou a decisão liminar sobre a demarcação e titulação das terras, determinado que o Incra concluísse o procedimento de demarcação e titulação.
Parte desta história está registrada em Quilombo Rio dos Macacos - O Filme (2017), documentário dirigido por Josias Pires, que retrata a luta da comunidade pela garantia da propriedade da terra e as violações de direitos humanos presentes neste processo.
Por Morgana Damásio | ASCOM
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