A Articulação Estadual das Comunidades Tradicionais de Fundo e Fecho de Pasto, em articulação com mais de 160 organizações da sociedade civil, lançou uma nota de repúdio sobre a Instrução Normativa conjunta 01/2010, do Governo da Bahia.
Confira:
NOTA PÚBLICA
A Articulação Estadual das Comunidades Tradicionais de Fundo e Fecho de Pasto, legítima representação de centenas de comunidades tradicionais dos segmentos de Fundos e Fechos de Pasto do Estado da Bahia, mais uma vez vem a público repudiar a sequência de investidas inconstitucionais, racistas e preconceituosas do Estado da Bahia para com as nossas comunidades.
O Estado teima em não reconhecer nossas especificidades, alicerçadas na relação com o território a partir das experiências repassadas de geração em geração, na sobrevivência, diversidade produtiva, manutenção da cultura, preservação do meio ambiente e na utilização sustentável dos biomas caatinga e cerrado, beneficiando também os que não estão nas comunidades. Assim como herdamos os territórios e saberes dos nossos ancestrais, queremos que as nossas futuras gerações tenham as mesmas oportunidades.
Contextualizaremos aqui um pouco do histórico de enfrentamento às ações intempestivas do Estado em nossas comunidades. Em 2012 foi apresentado na Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, pelo Poder Executivo, o PL de no 19.965 que tratava da regulamentação do Art.178 da Constituição da Bahia. Naquele momento tivemos o entendimento que precisávamos intervir para que o Projeto representasse, minimamente, os anseios destas populações que tradicionalmente ocupam esses territórios. No entanto, a proposta se mostrava uma ameaça às comunidades, especialmente, no estabelecimento de um marco temporal, entre outubro de 2013 e 31 de dezembro de 2018, para protocolar pedidos de certificação e de regularização fundiária, afetando direitos fundamentais das comunidades tradicionais e infringindo a Convenção 169 da OIT. Em 09 de outubro de 2013 a Articulação repudiou, em nota pública, o projeto nos termos que foi apresentado, pois instituir um prazo para o autorreconhecimento da identidade tradicional é ilegal, imoral e viola os direitos historicamente conquistados.
Reafirmamos que o Estado da Bahia tem sido negligente com a regularização de nossas áreas desde o ano de 2006, coincidindo com as gestões dos governos petistas. Esse período foi marcado pela interrupção de todos os procedimentos de regularização que estavam em andamento, além de não criar nenhuma política de regularização fundiária que protegesse os territórios pertencentes às Comunidades Tradicionais. Por outro lado é perceptível à intensificação da regularização das áreas individuais, fomentando o minifúndio.
Como se não bastasse às situações de conflitos que já nos afetam há décadas, oriundas de vários agentes privados, fazendeiros e grupos empresariais, recentemente o Governo da Bahia instituiu a Instrução Normativa conjunta 01/2020, da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Rural (SDR) Coordenação de Desenvolvimento Agrário (CDA/SDR), Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE) e Procuradoria Geral do Estado (PGE), que visa a implantação de parques de energia eólica em nossas áreas, ameaçando ainda mais nosso modo de ser, viver e fazer. Por estas razões, REPUDIAMOS veemente mais essa investida do Estado contra as comunidades, causando insegurança sobre a ocupação de nossos territórios, elaborada sem nenhum procedimento de escuta às representações legítimas dessas comunidades, conforme Carta Aberta que publicamos em 10 de julho de 2020.
Mediante a isso, aglutinamos esforços junto a organizações que historicamente são parceiras na defesa destas comunidades e construímos uma análise da normativa, observamos minuciosamente o conteúdo da IN 01/2010 e concluímos que há uma grande desvirtuação na divulgação veiculada pelo Estado da Bahia, pois o conteúdo está sendo disseminado como uma conquista para as comunidades, no entanto, beneficia apenas as empresas de geração de energia eólica retirando direitos das comunidades.
Com essas ações o Estado tem tentado alterar/exterminar a vida de diversas comunidades tradicionais, retirando a autonomia de gestão coletiva dos territórios tradicionalmente ocupados, ao estipular um marco temporal que viola direitos constitucionais e distancia ainda mais a possibilidade de acesso à políticas públicas específicas, como é o caso da autodefinição e o acesso a terra. É nítido o racismo institucional do Estado da Bahia para com estas comunidades, sendo a grande maioria dessas comunidades formada por pret@s e pard@s. Estão nos tratando como incapazes de sobreviver com o nosso jeito de ser e não reconhecem a diversidade das comunidades, sendo que muitas são seculares ultrapassando sete gerações.
Diante das questões mencionadas, exigimos que o Estado da Bahia assuma o seu dever em defender os direitos das comunidades tradicionais e revogue o quanto antes a Instrução Normativa conjunta SDE/SDR/CDA/PGE 01/2020, assim como o parágrafo 2o, do artigo 3o da Lei 12910/2013. Pautamos ainda a efetivação da Regularização Fundiária de nossos territórios, uma ação estagnada há mais de uma década, o reconhecimento de nossos modos de vida e a retomada da certificação das comunidades, pois mais de 200 (duzentos) processos tiveram sua tramitação finalizada pela SEPROMI e estão engavetados na Casa Civil aguardando publicação da certificação.
Por fim, afirmamos que as Comunidades Tradicionais de Fundos e Fechos de Pasto, não reconhecem entidades de interesse meramente político partidário como suas legítimas representantes, e que a tentativa de cooptação de comunidades por entidades dessa natureza é um desrespeito à história do Movimento Fundo e Fecho de Pasto, formado por esta Articulação Estadual.
Reafirmamos nosso compromisso na defesa dos direitos e anseios das comunidades, sigamos firmes nessa luta, que muito nos importa.
Senhor do Bonfim, 19 de agosto de 2020.
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