Documento também denuncia as falsas soluções apresentadas por governos e empresas no combate ao desmatamento e à emergência climática
Fotos: Daiane Santiago/Ascom-AATR
Mais de 30 entidades e movimentos da sociedade civil lançam, nesta segunda-feira (29/07), a carta do seminário “Política Fundiária e Lutas por Terra e Território”, realizado em Brasília entre os dias 22 e 24 de julho.
A carta é uma síntese dos principais temas discutidos ao longo do seminário entre a sociedade civil e representantes do governo federal, e procura articular lutas em torno do direito fundamental de acesso à terra e ao território a partir de denúncias sobre a relação entre grilagem de terras, desmatamento e seus impactos sobre o ciclo das águas e clima.
A histórica concentração de terras no Brasil, ancorada no racismo que estrutura a organização fundiária no país, é apontada na carta como uma das principais raízes das desigualdades que levam à devastação ambiental, fome e violência no campo.
Mais recentemente, a aposta de diferentes governos federais – incluindo o atual –, nos empreendimentos do agronegócio exportador, que sobrevive às custas de dinheiro público, agrotóxicos e da privatização de terras públicas, vem intensificando desmatamentos, a expropriação de terras ancestrais e a violência contra povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.
A carta também denuncia as falsas soluções apresentadas por governos e empresas no combate ao desmatamento e à emergência climática. “A instituição do mercado de carbono e o avanço da produção de energias tidas como renováveis, com apoio de sucessivos governos, em vez de apontar no sentido de superação deste cenário catastrófico, tem incentivado a especulação fundiária por corporações nacionais e transnacionais que resulta em mais violência no campo e inviabilização dos modos de vida. Em meio à profusão de falsas soluções para a crise ambiental e climática, propomos alternativas fundamentadas nas experiências populares do campo brasileiro, a exemplo da agroecologia e do extrativismo não predatório”, diz trecho do documento.
Destaques do seminário
O seminário “Política Fundiária e Lutas por Terra e Território”, realizado entre os dias 22 e 24 de julho em Brasília, procurou avaliar instrumentos da política fundiária nacional e criar um espaço de luta por direitos territoriais junto a entidades e movimentos sociais.
O primeiro dia do seminário teve quatro mesas, todas com participação de representantes de povos e comunidades tradicionais, entidades e membros do governo. "Reforma Agrária, desapropriação, desconcentração fundiária e destinação das terras públicas" foi o tema da primeira mesa, que apresentou dados da concentração de terras no Brasil como resultado, entre outros, de políticas que favorecem a grilagem. Participaram Shirley do Nascimento, do Departamento de Governança Fundiária do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA); Julianna Malerba, da FASE; Ayala Ferreira, do MST; Juliana de Athayde, da AATR, e Gustavo Noronha, Diretor de Gestão Estratégica do Incra.
A segunda mesa tratou da Titulação de Territórios Quilombolas. Falta de orçamento do Incra e de vontade política de órgãos do governo foram apresentados por Biko, da Conaq, como alguns dos principais entraves da titulação. A mesa contou, novamente, com a participação de Noronha, do Incra, e de Evandro Dias, da Coeqto.
A mesa três teve a participação da presidenta da Funai, Joenia Wapichana, e do coordenador executivo da Apib Alberto Terena. Ambos falaram sobre os desafios da Demarcação de Terras Indígenas no atual contexto de um congresso hostil aos direitos de povos tradicionais, e da falta de verbas da Funai. Valéria Santos, da Articulação das CPTs do Cerrado, mediou o debate.
A última mesa tratou da Titulação de Territórios Tradicionais, e contou com Isabela da Cruz, Coordenadora Geral de Identificação e Mapeamento de Quilombos e Povos Tradicionais do MDA; Maria Ribeiro e Marinalda Rodrigues, do Miqcb; Dione Torquato, do CNS, e Mauro Pires, presidente do ICMBio. André Sacramento, da AATR, moderou a mesa.
O segundo dia do Seminário foi marcado pela análise das relações entre a questão fundiária e a violência no campo, emergência climática e as falsas soluções apresentadas para esses problemas, baseadas na financeirização da natureza.
Na primeira mesa, a pesquisadora Camila Moreno, do grupo Carta de Belém, apresentou uma linha do tempo mostrando como o Brasil embarcou na “economia verde”, que responde às demandas de um novo mercado internacional que negocia recursos naturais como ativos financeiros.
Valéria Santos, da coordenação nacional da CPT, apresentou dados do Relatório da Violência no Campo no Brasil em 2023, e destacou que “a denúncia é nosso maior instrumento de luta, independentemente do governo.” Jardel Lopes, secretário executivo da Campanha Contra a Violência no Campo, afirmou que “a grande resistência dos povos hoje é existir nos territórios”. Diana Aguiar, professora da UFBA e colaboradora da Campanha Cerrado, mediou essa primeira discussão.
A segunda mesa do dia tratou da correlação de forças institucionais, e contou com a participação de Alcebias Constantino, da coordenação executiva da Coiab, Alberto Terena, da Apib, e Paulo Freire, do MST. A discussão foi mediada por Karla Dutra, do Miqcb.
Após as mesas houve discussão em grupos, e as reflexões foram apresentadas durante plenária no dia 24 de julho, visando pactuar estratégias para uma agenda coletiva de enfrentamento às violações contra o direito à terra e ao território de povos e comunidades tradicionais. As reflexões da plenária deram base à carta política lançada nesta segunda-feira.
O Seminário “Política Fundiária e Lutas por Terra e Território” foi organizado pela Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, APA-TO, ANA Amazônia, AATR, Apib, Associação Agroecológica Tijupá, Associação Brasileira de Reforma Agrária, CPT, Fase, MCP, Miqcb, MPA, Moquibom, Rede Integração Verde e Via Campesina, e teve apoio do Fundo Casa Socioambiental, OAK Foundation e Heks/Eper.
Texto: Campanha Nacional em Defesa do Cerrado
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