Grupo agrícola, que responde na justiça por apropriação indevida de terras, recebeu uma permissão irregular para desmatar uma área de Cerrado nativo maior que a cidade do Recife
Área de cultivo de soja no Condomínio Cachoeira do Estrondo. A fazenda foi estabelecida em 1975, e já ocupa 315 mil hectares – três vezes o tamanho da cidade de Nova York. Soja, algodão e milho são cultivados. A fazenda é composta por 22 empresas que operam no setor agrícola, sendo um claro exemplo de desmatamento feito para plantio de commodity. (© Victor Moriyama / Greenpeace)
O Condomínio Estrondo, conglomerado agrícola com longo histórico de grilagem e violência, localizado no oeste baiano, iniciou o desmatamento de uma nova área no Cerrado brasileiro. Mesmo sendo alvo de diversos processos judiciais, o grupo obteve uma licença irregular para desmatar 24.732 hectares (ha) de vegetação nativa, uma área maior que a cidade de Recife (PE) ou equivalente a duas vezes a cidade de Paris, na França.
A Autorização de Supressão de Vegetação Nativa (ASV) foi concedida pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (Inema). Segundo informações do serviço MapBiomas e relatos das comunidades locais, o desmatamento já começou. Imagem do Greenpeace/Planet° mostra um desmatamento de cerca de 1.200 ha executado entre 10 de julho e 1 de agosto de 2021.
Imagem do Greenpeace/Planet° mostra desmatamento de cerca de 1200 ha executado entre 10 de julho e 1 de agosto de 2021.
A renovação desta licença de desmatamento, concedida em 2019, não poderia ter acontecido, já que o Condomínio não atende sequer às condicionantes do próprio Inema, que exige que os empreendimentos comprovem “ter sob sua responsabilidade e domínio as áreas de preservação permanente e reserva legal”, o que a Estrondo não tem condições de fazer, já que a posse de 43.339,33 ha, declarados como Reserva Legal do Condomínio, é das comunidades tradicionais ao longo dos rios “Preto” e “dos Santos”, segundo decisão judicial de maio de 2017, confirmada pelo Tribunal de Justiça da Bahia (2018) e pelo Superior Tribunal de Justiça (2021).
Como se não bastasse, o grupo responde ainda processos por grilagem de terras, onde o estado da Bahia pede a anulação de diversas matrículas. Em 1999, o INCRA notificou a fazenda como “mega-área de grilagem” de 444.306 hectares registrados nos cartórios de Santa Rita de Cássia e Formosa do Rio Preto.
A área com a ASV faz parte da porção reivindicada pelo estado e, portanto, não poderia ser desmatada sem autorização do órgão estadual de terras (CDA), permissão que o Condomínio Estrondo não possui.
As principais vítimas desta conduta criminosa reiterada do grupo têm sido as comunidades geraizeiras, que perderam os seus territórios tradicionais, e um número inestimável das mais diversas espécies de fauna e flora do Cerrado que perderam o seu habitat natural. Como se não bastasse, com o agravamento da crise hídrica no Brasil e a crise climática em todo o planeta, permitir o desmatamento de uma área de vegetação nativa dessa proporção é um crime inaceitável contra a humanidade. Ainda assim, até o momento, o Inema tem se furtado de reconhecer seu erro e mantém a autorização, que pode trazer impactos ainda maiores à região.
Ontem (1), 56 organizações da sociedade civil encaminharam carta, direcionada ao governador da Bahia, Rui Costa, à secretaria estadual de Meio Ambiente e diretora geral do Inema, Márcia Cristina de Araújo Lima, e à coordenadora executiva da Coordenação de Desenvolvimento Agrário, Camilla Batista, exigindo a revogação desta descabida autorização de desmatamento concedida pelo Inema, órgão que vem se comportando de forma flagrantemente contrária às suas prerrogativas de zelar pelo patrimônio ambiental do estado da Bahia.
Histórico de violência e destruição
Os problemas relacionados ao desmatamento e direitos humanos dessa propriedade são bem conhecidos, já tendo sido abordados muitas vezes pela mídia brasileira, movimentos sociais e pelo próprio Greenpeace – falamos sobre ela no relatório Contagem Regressiva para a Extinção e na Investigação Cultivando Violência. O histórico inclui desde acusações por apropriação de terras – registradas no Livro Branco da Grilagem de Terras no Brasil, do Incra -, uso de mão de obra escrava, fraudes em licenças para desmatamento e intimidação de populações locais.
Em 2019, o Greenpeace presenciou uma destas situações, quando homens fortemente armados chegaram à uma das comunidades e mantiveram os moradores, além de uma equipe de reportagem alemã, sob a mira de fuzis por cerca de duas horas.
Mas o impacto de sua atuação vai muito além do regional. A soja produzida a partir de todos esses crimes acaba contaminando o mercado mundial e chegando a consumidores de grandes marcas em todo o mundo, como já mostramos. Além disso, o Cerrado é fundamental para o fluxo das águas no Brasil, mas mais da metade do bioma já foi destruído pelo agronegócio. Permitir sua destruição é atentar contra o patrimônio de todos os brasileiros.
Os dados são estarrecedores: desde 2010, a produção e o consumo de commodities agrícolas ligadas ao desmatamento, como gado, soja, óleo de palma, borracha e cacau, vem aumentando vertiginosamente. Oitenta por cento do desmatamento global é resultado direto da produção agrícola. No Brasil, entre 2010 e 2017, as fazendas de soja e gado eliminaram quase cinco milhões de hectares do Cerrado.
O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) deu mais um duro recado há alguns dias: As mudanças climáticas já estão impactando severamente a população e a janela para reverter o colapso é cada vez menor. Não podemos permitir o desmatamento de mais uma área gigantesca de Cerrado em nome do agronegócio.
Conteúdo produzido por www.greenpeace.org.br -
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