Nesta segunda-feira (21), o poder judiciário revogou decisão favorável a empresas e fazendeiros do agronegócio da região oeste da Bahia, e decidiu pela manutenção de posse do território da comunidade tradicional de fecho de pasto Capão do Modesto, em Correntina, na Bahia. Com a decisão, cerca de 80 famílias, que nos últimos anos têm convivido com a intimidação e violência, tiveram reconhecido o direito de posse sobre o seu território tradicional frente às investidas da empresa Agropecuária Sementes Talismã (EcoSecurity) e dos fazendeiros Almor Paulo Antoniolli, Claudia Briani Antoniolli Lenzi, Dino Romulo Faccioni, Paula Briani Antoniolli Nedeff, Suzane Mari Piana e Luiz Carlos Bergamaschi, este último é ex-presidente da Associação Baiana de Produtores de Algodão (Abapa)
A decisão é válida até o final do processo, quando poderá ser confirmada em sentença. Com ênfase à Convenção 169 da OIT, que garante direitos de povos indígenas e tradicionais, bem como à Constituição Federal e Estadual, o magistrado salientou a importância dessas comunidades e do território por elas ocupados. Na decisão o juiz reconheceu que já existia ocupação tradicional das comunidades de Fundos e Fechos de Pasto em período anterior às tentativas de grilagem pelos empresários do agronegócio , que objetiva a constituição de reservas legais de outros supostos imóveis, em fenômeno conhecido como “grilagem verde”.
Foto divulgação: Gui Gomes
Em uma área marcada por graves conflitos socioambientais e fundiários, o ano de 2021 foi especialmente violento para a comunidade de Capão do Modesto. Em nota de repúdio publicada em julho de 2021, a Associação Comunitária de Preservação Ambiental dos Pequenos Criadores do Fundo e Fecho de Pasto do Capão do Modesto denunciou as inúmeras violações que vinham acontecendo na comunidade, além da tentativa de criminalização própria associação e da não abertura de inquéritos policiais dos inúmeros boletins de ocorrência registrados na delegacia.
A ação violenta e criminosa de grileiros denunciada pela associação é realizada por meio de ameaças de morte, sequestros de pessoas, privação de liberdade de ida e vinda dentro dos territórios, criminalização de lideranças e das organizações, destruição de sedes de associação, de ranchos, derrubada de cercas e currais, matança e roubo de animais, intimidação por vigilância armada das fazendas.
Os fecheiros/as do oeste baiano, reconhecidos como povos guardiões do cerrado, há anos lutam pelo reconhecimento de seus territórios. A realidade vivida pelo território do Capão do Modesto é comum a diversas outras comunidades de Fundos e Fechos de Pasto no município de Correntina que, desde a década de 70, vêm sendo vítimas da grilagem de suas terras, tendo como exemplo os Fundos e Fechos de Pasto de Vereda da Felicidade, Guará Pombas, Brejo Verde e Tarto, Catolés, Clemente, Tatu, Couro Porco, Gado Bravo, Entre Morro e Morrinhos, dentre outros.
Conforme apontado no estudo Na fronteira da (i) legalidade: Desmatamento e grilagem no Matopiba” os Fundos e Fechos de Pasto de Capão do Modesto, assim como o de Vereda da Felicidade e Porcos-Guará-Pombas estão em processo de demarcação e titulação por meio de ação discriminatória administrativa pelo órgão de terras estadual (CDA), iniciado em 18 fevereiro de 2021. O estudo demonstrou as graves ilegalidades no registro destes dos supostos imóveis rurais sobrepostos, cujas matrículas devem ser consideradas nulas. Esta ação é reivindicada há muitas décadas pelas comunidades e o longo tempo de espera imposto pelo órgão fundiário estadual foi uma oportunidade para que os grupos de grileiros buscassem formas de consolidar a grilagem, inclusive com novos georreferenciamentos para realização dos cadastros do Incra e Cadastro Ambiental Rural (CAR) /Cadastro Estadual Florestal de Imóveis Rurais (CEFIR).
Estes cadastros, mesmo que autodeclaratórios, induziram a magistrada anterior a atribuir legitimidade aos pedidos das empresas e fazendeiros do agronegócio, concedendo em 2018 decisão para despejo das famílias do território. Embora tenha sido suspensa pelo Tribunal de Justiça, no mesmo ano, em julho de 2020 houve mudança no posicionamento e a decisão contra as comunidades voltou a valer. Agora, após a análise de fatos e documentos novos, que revelaram a inexistência de posse anterior pelos fazendeiros, a decisão de proteção de posse foi revertida para as famílias de Capão do Modesto, e estabelecida multa de 50 mil reais por dia em caso de descumprimento.
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