Em uma rápida pesquisa em sites de compra e venda na internet você pode encontrar anúncios de venda de terras dentro do Parque Estadual Mirador, a maior unidade de conservação ambiental do estado. É o que aponta o estudo “Na fronteira da (i) legalidade: Desmatamento e grilagem no Matopiba”, publicado pela Associação dos Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais da Bahia (AATR) e a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, com a contribuição do IFBaiano (Campus Valença/BA).
A pesquisa faz a análise de quatro casos da fronteira agrícola do Matopiba, composta pela região de Cerrado dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, que ilustram a relação entre desmatamento e grilagem (apropriação ilegal de terras ) e violações contra povos e comunidades tradicionais.
Localizada no Cerrado da macrorregião centro-sul do Estado do Maranhão, dentro da Amazônia Legal, a Travessia do Mirador é uma área de ocupação tradicional com fortes conflitos fundiários pelo menos desde a década de 70, com a chegada de produtores rurais do sul do Brasil. Desde 1978, a justiça estadual do Maranhão reconheceu a área de 500 mil hectares como terras devolutas, declarando como ilegais as propriedades reivindicadas por diversos grileiros e demandando que o estado realizasse a demarcação da área, destinando-a para reforma agrária e regularização fundiária. Mais de quatro décadas depois, as 78 comunidades da Travessia e seus descendentes ainda esperam o cumprimento da sentença que reconhece seus direitos.
Segundo o estudo, o caso revela que o estado do Maranhão agiu com "dois pesos e duas medidas". “Por um lado, deixou de cumprir as suas obrigações de demarcação da área, sendo conivente com a massiva apropriação privada ilegal da Travessia e a grilagem verde, que até os dias atuais são fontes lucrativas para as empresas agrícolas e fazendeiros que promovem intenso desmatamento no seu entorno. E ao mesmo tempo, o estado promove o cerceamento das práticas tradicionais das comunidades da Travessia, violências e ameaças de expulsão por meio da gestão do parque”.
As análises apontam um padrão nos anúncios de imóveis rurais dentro do parque encontrados na plataforma OLX. “Todos afirmam de forma aberta estarem localizados dentro do Parque Estadual do Mirador e com área “devidamente registrada no cartório de registro de imóveis”, o que viola frontalmente tanto a sentença da ação discriminatória como a própria lei de registros publicos (Lei 6015/1973), que não permite o registro de propriedade “particular” em terra pública”, afirma trecho da pesquisa que também explica que muitos anúncios também asseguram que a área tem “georreferenciamento certificado e Cadastro Ambiental Rural (CAR), registro que informa as fronteiras de uma propriedade rural e a localização de sua reserva legal — a porção da terra que deve ser preservada com vegetação nativa.
Além de anúncios de venda de título claramente ilegais, fica evidente o esquema de grilagem verde, prática fortalecida com o novo Código Florestal (2012) que estabelece que os próprios proprietários rurais declarem quais os limites de suas terras ao registrá-las no CAR e permite que a área da reserva legal, deva ser proporcional ao tamanho total da propriedade, seja estabelecida em uma região distante da porção de terra explorada economicamente.
“Um dos anúncios chegava a detalhar que a compensação pode acontecer em “qualquer estado do bioma” Cerrado, outro falava em “sequestro de carbono no bioma Cerrado” e ainda outro em “créditos de carbono”, diz trecho do estudo, que também afirma que cerca de 35% da área atual do parque (176.611 ha) está registrada como Reserva Legal.
A pesquisa também aponta os principais nomes dos desmatadores da Travessia do Mirador e seu entorno:
Fazenda Faedo/ União Quinhão: Registrada pelo gaúcho Dagoberto Antonio Faedo, a fazenda é responsável pelo avanço do desmatamento no entorno norte do parque sobre duas terras indígenas que sofrem o impacto da tese do marco temporal. Após a decisão do STF contra os indígenas em 2014, o desmatamento na propriedade reivindicada sobre o território originário acelerou.
Complexo Agro Serra / Pedro Ticianel : Uma das principais empresas de monocultivos no entorno oeste do parque e mesmo dentro deste, a Agro Serra, empresa do ruralista paranaense Pedro Ticianel, é "parceira" do governo do Estado do Maranhão na gestão do parque, mesmo tendo estado envolvida em denúncias de trabalho escravo e reivindicando propriedade sobre terras devolutas estaduais.
Complexo Cachimbo: O proprietário da maior parte dos lotes, o paranaense Paulo Alberto Fachin, é sócio-fundador da Agrex, subsidiária do Grupo Mitsubishi do Japão, envolvida em denúncias de compra ilegal de terras por estrangeiros e principal promotora do avanço do desmatamento na parte leste do parque.
Os dados também dão conta de que os registros do Sigef sobrepostos à área atual do parque somam 312.772,5175 hectares (vários dos quais coincidem com nomes dos maiores desmatadores no entorno do parque).
“Na fronteira da (i) legalidade: Desmatamento e grilagem no Matopiba” aponta recomendações de enfrentamento deste cenário, que serão enviadas para os órgãos do Sistema de Justiça, a exemplo do Conselho Nacional de Justiça, Corregedorias dos Tribunais de Justiça, Ministérios Públicos e Defensorias Públicas Estaduais.
A pesquisa está disponível na integra em www.matopibagrilagem.org
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