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MATOPIBA: Comunidades denunciam violações ao Conselho Nacional de Direitos Humanos


Composta pela região de Cerrado dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, a fronteira agrícola do Matopiba acumula denúncias de grilagem e violência contra comunidades e posseiros


“Se Deus e as autoridades não agirem ficaremos sem água”. Quem afirma é Dona Raimunda Pereira, matriarca das famílias posseiras do território tradicional Gleba Tauá, no Tocantins, representando o sentimento das comunidades que trouxeram os seus relatos na Audiência Pública “Grilagem, Desmatamento e Violações de Direitos Humanos no MATOPIBA”, realizada virtualmente nesta quinta-feira (05/11). A audiência foi dedicada a relatar, ao Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e demais órgãos do sistema de justiça, as violações de direitos nos territórios indígenas e de povos e comunidades tradicionais na região do Matopiba.


A seção, que foi inaugurada pelo presidente do CNDH, Yuri Costa, marcou também o pré-lançamento do estudo “Na fronteira da (i) legalidade: Desmatamento e grilagem no Matopiba”, produzido pela AATR e a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado com a contribuição do IFBaiano (Campus Valença), que será lançado no dia 11 de novembro. Na ocasião, Yuri salientou a importância da iniciativa. “A intenção aqui é que, a partir dos relatos, a CNDH possa identificar e qualificar violações para avançar na sua missão, bem como tomar conhecimento desse trabalho de pesquisa capitaneado pela AATR”.


Emília Oliveira, advogada popular e coordenadora de programas da AATR trouxe um panorama histórico do Matopiba enquanto fronteira agrícola. “Até 2015, o monocultivo da soja e a pastagem foram responsáveis por cerca de 80% do desmatamento na região. O Matopiba se configura como uma fronteira de violências, os povos do cerrado estão sendo invisibilizados”, sinalizou.

Maurício Correia, advogado popular e coordenador geral da AATR, apresentou os quatro casos representativos que integram o estudo. Por meio do trabalho cartográfico e de mapeamento geográfico, realizado pelo IFBaiano, campus Valença, abordou o avanço de desmatamento da Travessia do Mirador no Centro-sul do Maranhão; da Gleba Tauá, no Cerrado tocantinense; do Território Melancias, no Sul do Piauí; e dos Fechos de Pasto Capão do Modesto, Porcos-Guará-Pombas, Cupim e Vereda da Felicidade na Bacia do Rio Corrente, Oeste da Bahia.


Maurício enfatizou que os casos apresentados são de áreas de nascentes de importantíssimas bacias hidrográficas, sendo representativos do que diversas outras comunidades vivem na região. Só para se ter uma ideia da extensão da pesquisa, o que está sendo divulgado corresponde a apenas 30% dos achados. “Em 20 anos houve mais desmatamento do que nos 500 anos anteriores. Esse foi um trabalho de pesquisa criterioso feito junto aos cartórios com muita análise documental. Os achados são de situações de fraudes, violências, irregularidades envolvendo órgãos públicos, serviços cartoriais e até mesmo servidores e membros do poder judiciário e executivo”, afirmou Maurício.


“Onde tem comunidade tradicional, tem terra preservada”


O estudo também oficializa e comprova o que já se sabia. As comunidades tradicionais são protetoras dos territórios, ao preservarem seus modos de vida e costumes que se harmonizam com o meio ambiente. No entanto, essa proteção tem se caracterizado em muito sofrimento para os habitantes desses territórios. Há uma semana, a água da chuva apagou um incêndio criminoso no pasto do filho de Dona Raimunda Pereira. Para Dona Raimunda, o ataque incendiário de pistoleiros foi barrado por providência divina, uma vez que as águas da Gleba Tauá, no Tocantins, terra pública federal, estão secando progressivamente devido ao desmatamento na região.


Violências, desmatamento, escassez de água e muitas promessas do governo. Embora sejam de territórios diferentes, as comunidades têm muito em comum em seus relatos. Félix Carreiro, do território tradicional da Travessia do Mirador, relata que desde a criação do Parque Estadual do Mirador, sobre as terras tradicionalmente ocupadas, a comunidade já convivia com conflitos. No entanto, a criação do Parque acentuou ainda mais o problema. “A comunidade já convivia com a grilagem, mas com a ação do governo a situação piorou. Na década de 90, nós moradores fomos intimados a sair do local e estamos sempre convivendo com os conflitos, intimações e ameaças de multa e prisão”, relatou.

Juarez Celestino, do território tradicional de Melancias e Aliene Barbosa, do Coletivo de Comunidades Tradicionais de Fechos de Pasto, na Bahia, trouxeram nos seus relatos as mudanças promovidas pelo agronegócio na região do Cerrado ao longo do tempo e o aumento da violência. Juarez lembra saudosista de um tempo em que a comunidade tinha liberdade de ir e vir. “Nós tínhamos uma vida livre no nosso território, muita liberdade, com a chegada do agronegócio nos anos 80, o que nos restou foi preocupação”, explicou.


Devolutivas e compromissos


A audiência foi conduzida por Marcelo Chalréo, membro da Comissão Terra e Águas do CNDH e contou com falas de diversas autoridades. Entre os presentes que se manifestaram estavam Paulo Velten, presidente do Fórum de Corregedores do Matopiba; Roniclay Moraes, representante da Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça do Tocantins; Fernando Lopes, corregedor geral do Tribunal de Justiça do Piauí e Osvaldo de Almeida Bomfim, Corregedor das Comarcas do Interior do Tribunal de Justiça da Bahia. Todos os representantes reafirmaram o compromisso de contribuir junto à CNDH na atuação frente aos casos de violações apresentados pelas comunidades.


O corregedor-geral da Justiça do Maranhão, Paulo Velten, destacou a importância da audiência. "São dados relevantes para todos nós, uma contribuição importante e temos que estar abertos a essas informações que são reais. Reafirmamos o compromisso das instituições republicanas. O crescimento e desenvolvimento econômico não podem vir com o sacrifício dessas comunidades tradicionais, da segurança, da justiça e da paz social”, enfatizou.


Participaram ainda da audiência lideranças de movimentos sociais do campo, povos indígenas e comunidades tradicionais, organizações da sociedade civil e universidades, conselheiros/as do CNDH e membros/as da Comissão Terra e Água, Conselho Nacional de Justiça, Fórum de Corregedores dos Tribunais de Justiça da região Matopiba e MPF - Grupo de Trabalho de Conflitos no Campo/Cerrado.


Finalizando o encontro, a Secretária Executiva da Campanha Cerrado e associada da AATR, Joice Bonfim, frisou que o processo de devastação do Cerrado é histórico, mas também é atual e tem sido cada vez mais acelerado. “O Matopiba é a expressão concreta, real e evidente desse processo de destruição. O que fica claro nessa audiência é que a expansão que é festejada e anunciada pelo estado brasileiro está calcada na ilegalidade. Em apenas quatro casos analisados, foi identificado que meio milhão de hectares de territórios tradicionais foram grilados, associados diretamente ao desmatamento”, apontou Joice.


O estudo conta com recomendações que objetivam fortalecer a reversão deste cenário. Nesse sentido, Joice apontou princípios básicos que não são efetivados. “A gente não consegue avançar no combate às inconstitucionalidades das leis de terra estaduais, de fiscalização das atividades cartoriais. É aceitável que uma ação discriminatória de 40 anos não seja cumprida? As recomendações estão falando do cumprimento de legislação, de demarcação de territórios tradicionais, de consulta e consentimento prévio, livre e informado, de articulação entre as agendas ambientais e agrárias”, finalizou.



Assista a audiência na integra https://www.youtube.com/watch?v=5grITVigWdM



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