Na noite de 15 de agosto de 2020, os fiscais e bombeiros civis da Prefeitura Municipal de Feira de Santana realizaram a remoção de trabalhadores informais da Praça do Nordestino, no Centro da cidade, com a retirada de suas barracas e objetos do comércio.
Diante da profunda crise econômica que enfrentamos, agravada ao extremo pelas medidas de isolamento social necessárias ao combate à pandemia da COVID-19, o despejo dos trabalhadores e trabalhadoras, que retiram desses espaços o seu sustento diário, é um chocante atentado contra o princípio da dignidade da pessoa humana. Desrespeita, ainda, as normas da Organização Mundial de Saúde e o Decreto nº 11.505, de 23/03/2020, do próprio Município de Feira de Santana, que declarou estado de calamidade pública nesta cidade.
É especialmente grave a forma sorrateira como a medida foi tomada – em uma noite chuvosa de sábado, no contexto de pandemia – de modo a fragilizar ainda mais as pessoas atingidas e o seu direito de defesa. A surpresa e violência do ato, ainda, causou uma situação de aglomeração, sem que qualquer cuidado fosse tomado para evitar os riscos de contágio do coronavírus. E apesar da Prefeitura ter alegado, após ato, que a remoção foi realizada após acordo com os/as trabalhadores/as e que as barracas estavam abandonadas, tal versão é contestada pela maioria dos/as atingidos. Estes apontam que não concordaram com a ação e que as barracas estavam fechadas temporariamente pelo fato de seus donos integrarem o grupo de risco da COVID 19, fato que expõe ainda mais a ausência de base legal para o ato.
O despejo dos/as Barraqueiros/as desrespeita, ainda, a Portaria SETTDEC nº 003, de 31/03/2020, da Secretaria do Trab., Tur. e Desenvolvimento de Feira de Santana, que havia determinado o adiamento da transferência dos camelôs e ambulantes do centro da cidade até que tivesse sido sanado o estado de calamidade pública decorrente da COVID-19.
Como se vê, a medida contraria normas jurídicas internacionais, nacionais e locais, que reconhecem o período de fragilidade econômica e sanitária que vivenciamos. A suspensão de despejos e remoções durante a pandemia é normativa que vem sendo adotada em vários países – como Estados Unidos, França, Portugal e Alemanha –, como forma de concretizar as orientações dos órgãos internacionais e colegiados de saúde. No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça e o Tribunal de Justiça da Bahia já se manifestaram em convergência com as recomendações do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico e do Conselho Nacional de Direitos Humanos, no sentido de orientar a suspensão da execução de despejos e remoções durante a pandemia.
Antes de qualquer coisa, no entanto, o ato afronta o bom senso, o sentido de humanidade e solidariedade e o respeito a pais e mães de família que não têm outra opção de sustento. Feira de Santana não tem este nome por acaso: as feiras, os/as ambulantes/as, o comércio de rua fizeram a história desta cidade, por mais que se queira apagar dela as cores da população que faz da rua o seu sustento, com muita luta. E por repetidas vezes esta tentativa de apagamento se renova como um projeto de fora e de cima (do que o exemplo mais recente foi a remoção dos/as artesãos/ãs dos Centro de Abastecimento, para a construção do malfadado “shopping” – que de popular, já pelo nome, se pode concluir que nada tem).
As preocupações expostas aqui se agravam quando percebemos que a remoção realizada no dia 15 de agosto não constitui evento isolado e que a própria Prefeitura de Feira de Santana anunciou na imprensa local que pretende despejar trabalhadores com barracas supostamente abandonadas em outros locais do Centro da Cidade em período próximo.
Por todas estas razões, esta nota pública, firmada pelas entidades abaixo relacionadas, com base nas diretrizes na Campanha Nacional Despejo Zero, manifesta seu apoio aos/as trabalhadores/as atingidos pela medida ilegal e abusiva do Município de Feira de Santana, a quem rogamos a imediata suspensão da remoção das barracas ou quaisquer outras estruturas ligadas ao comércio de rua do centro da cidade, garantindo aos envolvidos e suas entidades representativas um canal efetivo de diálogo.
Por meio desta nota, ainda, solicitamos providências da Defensoria Pública do Estado e do Ministério Público do Estado da Bahia, em defesa dos direitos das pessoas atingidas, do interesse público e da ordem jurídica.
Feira de Santana, Bahia, 18 de agosto de 2020
Assinam a nota:
Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, seção Bahia – ABJD/BA
ACASANGO Advogadas associadas
Associação Cultural João Miúdo
Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais no Estado da Bahia - AATR
Associação de São Francisco do Paraguaçu- Quilombo Boqueirão- Iguape
Associação dos Docentes da Universidade Estadual de Feira de Santana - ADUFS
Associação Quilombola Comunitária de Maria Quitéria - AQCOMAQ
Associação Rural Comunitária Estrela Vive - ARCEV
Coletivo Ivannide Santa Bárbara.
Cooperativa de Beneficiamento e Comercialização de Produtos da Agricultura Familiar de Feira de Santana - COOBAF/FS
Equipe de Estudos e Educação Ambiental da UEFS (EEA)
Geração de 20 – Grupo de Estudos Transdisciplinares dos Temas Insurgentes na década de 2020 (UEFS)
Grupo de Pesquisa Territorialidade, Direito e Insurgência da UEFS
Grupo de Trabalho Conflitos Socioambientais (UEFS IFBA UFRB)
Incubadora de Iniciativas da Economia Popular e Solidária da UEFS
Juspopuli Escritório de Direitos Humanos
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST
Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares - Renap/Regional Bahia
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura Familiar do Mun. de Feira de Santana, - SINTRAF
Teia dos Povos
Movimento Negro Unificado, seção Feira de Santana, Bahia
Frente Negra Feirense -FRENEFE
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