Belezas naturais de Licínio de Almeida, município do sudoeste da Bahia, contrastam com o avanço de empreendimentos que trazem prejuízos incalculáveis ao modo de viver das comunidades
“Aqui costumam dizer que se falarmos alto se ouve lá em Minas Gerais”. Disse uma moradora do município de Licínio de Almeida, território limítrofe da Bahia. Ao que parece, é mais possível concretizar o ditado popular do que mobilizar os órgãos públicos que há mais de 80 dias ignoram trabalhadoras e trabalhadores rurais que resistem a sol e chuva em um acampamento que bloqueou a passagem dos caminhões em um trecho de cerca de 51 km da BA-156, paralisando parte das operações da Bahia Mineração - BAMIM.
Famílias ocupam trecho da rodovia na BA-156. Imagem: AATR-BA
O acampamento, que foi iniciado mais precisamente no dia 26 de setembro, é uma resposta ao descaso do poder público com as reiteradas denúncias e busca por diálogo das comunidades sobre os impactos da mineração na região. A ação tem como objetivo principal denunciar os malefícios que a escoação do minério da Mina Pedra de Ferro, em Caetité, pela BA-156, - no trecho que liga Brejinho das Ametistas à Licínio de Almeida -, trouxe para a vida das comunidades nos últimos anos e buscar soluções para essa convivência compulsória com a mineração.
Faixas e cartazes pedem diálogo com o poder público. Foto: AATR-BA
Quem chega à região logo percebe a lona do acampamento, mas debaixo da aparente fragilidade da estrutura, existe a força da organização popular, que reúne sete comunidades, que se alternam para manter o acampamento de pé. Os territórios de Barreiro, Barreiro do Mato, Boiada, Brejo, Louro, Riacho Fundo, São Domingos e Taquaril dos Fialhos comportam cerca de mil famílias que resistem apesar da pressão de autoridades para a desarticulação do acampamento e da criminalização do movimento por meio da difusão de informações falsas.
“Já nos chamaram de vagabundos, mas o que muitas pessoas não entendem é que o que nós estamos fazendo é defendendo o nosso território e a nossa qualidade de vida”, comentou uma moradora da comunidade de Brejo. Na contramão das fake news sobre o movimento, quem chega ao local logo percebe que é composto por famílias de trabalhadores e trabalhadoras rurais engajadas na busca por direitos e por garantia de um futuro melhor para o território. Para além do bloqueio da rodovia, o acampamento tem promovido atividades formativas e de integração entre as comunidades.
Famílias de trabalhadores/as rurais mantêm acampamento. Foto: AATR-BA
Mal o sol se levanta e o que deveria ser um despertar típico de uma região rural é substituído pelo transitar frenético de caminhões pesados. Desde 2020, quando a construção da Ferrovia de Integração Oeste Leste (FIOL) no município de Caetité parecia uma realidade, a BAMIN intensificou a sua presença na região. Até o momento a ferrovia tem recebido questionamentos por violar direitos de comunidades tradicionais em outros trechos e a obra segue suspensa judicialmente; no entanto, isso não impediu a mineradora de impor a sua operação para transportar minério de ferro pela BA-156 de forma improvisada e ilegal.
Imagem: Ione Rochael/MAM-BA
A rodovia, que não é asfaltada, atravessa diversas comunidades do município. Quando está em operação, das 6h da manhã às 22h da noite, os caminhões passam pela estrada de forma ininterrupta, deixando uma nuvem de poeira contínua, impedindo inclusive a possibilidade de ir e vir da comunidade pela estrada. “Chegam a passar comboios de dez caminhões de vez”, comentou um integrante do movimento.
Prejuízos incalculáveis
Hoje as comunidades que compõem o município de Licínio de Almeida são marcadas por uma rotina drasticamente alterada pelas atividades de exploração de minério. Poeira contínua, resíduos, barulho, escassez hídrica, assoreamento dos rios, contaminação da vegetação e das nascentes, prejuízos à agricultura familiar, danos estruturais às casas, doenças respiratórias e alergias são apenas alguns dos impactos que a operação da mineradora tem deixado para as comunidades. Ou seja, a realidade é que a atividade da BAMIN retira das comunidades o direito a três dos quatro elementos essenciais à vida, tendo em vista que os caminhões passam pela estrada descobertos e o resíduo de metal é despejado no meio ambiente contaminando progressivamente terra, água e ar.
Imagem: Ione Rochael/MAM-BA
Não bastasse os prejuízos causados pela atividade de transporte, como forma de supostamente amenizar a poeira levantada pelos caminhões, a BAMIN despeja milhões de litros d’água na estrada, o que coloca a comunidade em alerta sobre um futuro de possível escassez hídrica. A preocupação não é descabida, a rodovia é cortada por quatro riachos que também estão sendo impactados pelas atividades da BAMIN com o assoreamento e pelo o pó de ferro que cai na estrada. Esses riachos deságuam na barragem do Truvisco, pertencente ao município de Licínio de Almeida e que é responsável pelo abastecimento de mais três municípios. Ainda não há possibilidade de calcular a dimensão dos prejuízos causados em vários aspectos da vida no território.
Descaso do poder público e silêncio do BAMIN
Desde quando iniciaram o acampamento as comunidades têm buscado diálogo com o poder público e com a mineradora a fim de encontrar soluções para uma convivência minimamente viável no território. De lá para cá foram diversas tentativas de resolução, em especial, junto à prefeitura, em uma dessas tentativas a comunidade sugeriu uma audiência pública que não foi pra frente. Os integrantes do movimento participaram de sessão na Câmara Municipal, mas não houve encaminhamento de nenhuma pauta. Após buscar o Ministério Público, a comunidade obteve um pequeno avanço com a presença de representante do Inema, ao qual foi solicitado um relatório sobre os impactos no local. No entanto, após estudo, o relatório apresentado não contempla a realidade dos impactos, tendo em vista que o Inema só apontou a inadequação da via para o transporte de carga pesada, mas ignorou os outros aspectos, por exemplo, ambientais.
Imagem: Ione Rochael/MAM-BA
Somente no quarto encontro com o Ministério Público, houve a presença de advogadas da BAMIN e a próxima reunião está marcada para o dia 24 de janeiro. Enquanto isso, os moradores aguardam que a mineradora se comprometa a não reiniciar as atividades na região. Outro ponto importante é que embora as comunidades tenham colocado principalmente no seu pleito a construção do asfalto para reduzir a poeira e o desperdício de água, essa é uma solução imediata que não resolve os problemas a longo prazo. Em especial em relação à escassez hídrica e a contaminação do solo que podem trazer consequências desastrosas para a região, a exemplo da impossibilidade de cultivo e prejuízos incalculáveis à sobrevivência por meio da agricultura familiar.
Convivência com a mineração e outros empreendimentos
O município de Licínio de Almeida, no alto sertão da Bahia, chama atenção pelas suas belezas naturais integradas a uma paisagem deslumbrante, mas num breve passeio pelo local, é possível perceber o avanço de empreendimentos sobre a natureza. Um exemplo são os gigantescos aerogeradores, de parques eólicos instalados na região, que alteram significativamente a paisagem local. Além disso, moradores sinalizam a presença constante de pesquisadores que estudam o território para posterior exploração dos seus recursos naturais.
Uma integrante do acampamento e moradora da comunidade de Barreiro conta que as atividades de mineração são históricas no município: “A comunidade sempre conviveu com uma linha férrea que atravessa três ruas da cidade carregando o minério. As pessoas sempre paravam para que o minério pudesse passar”. Agora chegou a hora do minério parar para a comunidade passar, tendo em vista que essa relação tem evoluído para uma situação caótica para as comunidades, interferindo substancialmente no modo de viver da população.
Um morador da comunidade de Brejo, que já foi empregado na mineração e participou de uma greve que pedia por mais segurança no trabalho na década de 80, comentou as mudanças: ”A mineração já tem muito tempo aqui, só que nesse tempo era uma exploração manual e o impacto era menor. Hoje com a evolução das máquinas há uma retirada muito maior e concentrada de minério com consequências muito mais negativas para as comunidades”.
Visita da AATR ao acampamento. Foto: AATR-BA
No último dia 14 de dezembro a AATR esteve na região para dialogar com integrantes do acampamento. Foi um momento da entidade aprender mais sobre as ações que envolvem esse movimento legítimo de busca pelo direito à terra e ao território. O objetivo foi trocar experiências com as comunidades e poder dialogar sobre os horizontes possíveis na luta coletiva para que os direitos dos moradores e moradoras sejam atendidos e reconhecidos.
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