A decisão abre um importante precedente e marca uma vitória coletiva de povos e comunidades tradicionais de terreiro para o reconhecimento da sua identidade social, cultural e dos seus costumes
Em audiência virtual, realizada neste dia 10 de fevereiro, às 10h, a Ìyáwo/filha de santo Paola Odònílé de Mori Rocha, assegurou o direito constitucional de ter o seu nome religioso – que na sua Nação Angola chama-se dijina – acrescentado ao seu registro civil. A ação que foi julgada procedente pelo Juiz Paulo Ramalho, da 1ª Vara dos Feitos Relativos às Relações de Consumo, Cíveis, Comerciais e Registros Públicos, trata-se de um importante passo para a autoidentificação formal dos povos e comunidades tradicionais de terreiro que há anos lutam por esse reconhecimento.
Ainda em 2019, Paola entrou com uma ação, por meio do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade do Estado da Bahia, pedindo a retificação de registro público para inserção do nome religioso ao nome civil. Paola relatou que se surpreendeu com a receptividade do Juiz Paulo Ramalho uma vez que o parecer do Ministério Público alegava não existir argumentação suficiente para a retificação.
Embora na audiência tenha existido essa reação amistosa da justiça, os fundamentos para a defesa da retificação do nome feita pelo Núcleo de Prática Jurídica da Universidade do Estado da Bahia se basearam em diversas questões legais asseguradas pela constituição, tanto no que se refere aos direitos individuais, quanto aos direitos dos povos tradicionais de terreiro.
Associado da AATR, o professor Bruno Heim, organizador de obras sobre direitos dos povos de terreiro e um dos signatários da peça, salientou a importância de que essa se torne uma prática do judiciário. “O direito brasileiro foi construído silenciando saberes e tradições africanas, quando não criminalizando. É hora do direito ser instrumento de inclusão e proteção dos povos. A decisão de hoje é uma importante vitória neste sentido”.
Paola Odònílé, que é Ìyáwo/filha de santo do terreiro Abassà da Deusa Òsùn de Idjemin, falou que a principal importância dessa conquista é que não é individual, afirmou que é uma vitória para todo o povo de terreiro, tendo em vista que é dever do estado proteger a cultura afro-brasileira. A filha de santo relatou ainda que o juiz solicitou que o seu nome fosse alterado inclusive nos autos do processo.
“A nossa questão não é apenas religiosa, trata-se de uma prática, de uma cultura. Esse foi o nome ancestral, a minha dijina, que me foi dada por Iemanjá e reconhecida pela minha Yalorixá. A partir de agora todas às vezes que assinar o meu nome ficarei emocionada, porque estarei reverenciando meus ancestrais”, explicou.
Juliana Borges, advogada da AATR e Mona Nkise (filha de santo) Lembaramin do Terreiro Caxuté, afirmou que essa sentença repercute para toda a coletividade. “Esse reconhecimento do Estado, por meio do poder judiciário, é uma demanda antiga e a fundamentação da sentença deixou evidente que no judiciário não deve existir brechas para preconceitos e racismo”, finalizou.
A AATR e diversas outras instituições e comunidades tradicionais de terreiro manifestaram apoio e enviaram cartas que foram juntadas aos autos: Fórum Sergipano de Religiões de Matriz Africana, Ilé Asé Ojú Ifá Ni Sahara, Abassá Axé Ilê Pilão de Oxaguian, da Comunidade do Caxuté.
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