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Quilombo Rio dos Macacos entram com recurso contra reintegração de posse da barragem pela Marinha

  • aatrba
  • 10 de nov. de 2020
  • 5 min de leitura

Pescadores/as artesanais quilombolas recorreram da decisão, que prejudica a sobrevivência e a tradição religiosa dos/as moradores/as de Rio dos Macacos. A reintegração de posse da Barragem pela Marinha do Brasil evidencia que a recente titulação do território quilombola foi apenas parcial, tendo em vista que, além da terra, o maior bem da comunidade são as suas Ôguas tradicionalmente utilizadas.


Diante da recente violação de direitos contra o Quilombo Rio dos Macacos orquestrada pela Marinha do Brasil, pescadores/as, com o apoio da AATR, entraram com um agravo de instrumento – recurso cabĆ­vel contra as decisƵes tomadas pelo (a) juiz (a) no curso do processo, antes da sentenƧa –, em defesa das Ć”guas do território quilombola. A iniciativa Ć© uma reação Ć  liminar, deferida pela magistrada da 7ĀŖ Vara AgrĆ”ria Federal, que autorizou a reintegração de posse da Ć”rea da barragem pela Marinha, o que potencialmente significa o impedimento do uso das Ć”guas pela comunidade.


De acordo com a liminar de 17 de outubro, os quilombolas que residem no território ficam impedidos de usar as Ôguas do próprio rio dos Macacos, do Rio do Barroso e de outras fontes de Ôgua represadas pela Barragem para consumo próprio, plantio, pesca, cultos espirituais, entre outros, uma vez que a Marinha é contra o uso compartilhado das Ôguas da barragem. Portanto, com esta decisão, a União pretende retirar um bem essencial para o modo de vida e alimentação, que a comunidade faz uso historicamente.


O recurso foi interposto com o objetivo de representar, em especial, os/as pescadores/as de Rio dos Macacos, que dependem diretamente das Ć”guas represadas para a garantia da própria sobrevivĆŖncia e modo de vida, tendo em vista que a Marinha destinou a sua ação contra a Associação dos Remanescentes de Quilombo de Rio dos Macacos e pessoas ā€œincertas e desconhecidosā€. A AATR lembra que nĆ£o se trata de pessoas incertas e/ou desconhecidas, todas tĆŖm nome, sobrenome, portanto sĆ£o indivĆ­duos dotados de legitimidade e direitos.


A disputa pelo território entre a Marinha e o Quilombo Rio dos Macacos acontece desde a década de 1950, quando da chegada da Marinha para a construção da Base Naval de Aratu, Vila Naval e a própria Barragem. Em julho deste ano, o quilombo, após longa batalha judicial, recebeu a titulação do território de Rio dos Macacos. Em que pese a Ôrea identificada pelo INCRA englobar as Ôguas represadas pela barragem, a titulação conquistada pelo Quilombo foi apenas parcial. Neste sentido, a União não pode tomar para si um bem natural que estÔ associado à identidade, à memória e ao existir dessa comunidade.


Território tradicional: jamais esquecer que os quilombolas chegaram antes

O uso tradicional das Ôguas do Rio dos Macacos pela comunidade acontece desde antes mesmo da chegada da Marinha e a construção da Barragem.


A Barragem de Rio dos Macacos é uma junção de vÔrios pequenos rios como os rios dos Macacos, o Barroso, o do Cobre e o da Prata, fontes de Ôguas que foram desviadas e que também jÔ eram utilizadas pelos moradores locais por causa da quantidade e diversidade dos peixes.


O rio da SaĆŗde era o principal para consumo, mas tambĆ©m existia o rio do Cafonge e o Barroso usados para pescar. Bastante conhecidas na comunidade e referĆŖncias de grande importĆ¢ncia eram as fontes que levavam o nome de seus moradores como a fonte do ā€œIsĆ­dioā€, de ā€œFiaā€, de ā€œFloripeā€, Rio do Prata, Nascente da SaĆŗde e a fonte de ā€œLuziaā€, que todos os moradores conhecem atĆ© hoje a sua localização, apesar de nĆ£o existir mais esta fonte. Ao todo existiam cerca de 11 fontes de Ć”gua utilizadas historicamente pelos moradores de Rio dos Macacos.


Portanto, para a garantia de direitos bÔsicos e necessÔrios à sobrevivência do Quilombo Rio dos Macacos e seus integrantes, sobretudo dos/das pescadores/as artesanais, é necessÔrio o uso das Ôguas da barragem.


Titulação parcial abre brecha para que a Marinha do Brasil viole direitos fundamentais e impeça o acesso às Ôguas

Embora não tenha sido titulada em favor da Comunidade, a Barragem faz parte do território quilombola. O uso histórico das Ôguas da Barragem pelos moradores do Quilombo estÔ comprovado no Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) produzido pelo INCRA.


Apesar do território identificado no RTID ter uma Ôrea total de mais de 300 hectares, o INCRA titulou 1/3 da Ôrea, ou seja, apenas 98 hectares, sem as fontes de Ôgua. Com esse arranjo imposto pela Marinha a comunidade fica impedida de usar as Ôguas do Rio dos Macacos. Aparentemente, se trata de uma estratégia para inviabilizar a vida na comunidade, sendo que as principais fontes de sobrevivência estão no rio.


Disputa pelo território é marcada por violência, racismo institucional e religioso

As tentativas de extermĆ­nio da cultura e as violaƧƵes sĆ£o históricas e atingiram, inclusive, terreiros que se encontravam no território antes da invasĆ£o da Marinha. Muitos dos terreiros foram destruĆ­dos pelos próprios agentes da Marinha que utilizaram de todas as formas para inviabilizar os cultos no território. ā€œNa beira do rio, onde os moradores nĆ£o podem ter mais acesso devido Ć  reintegração de posse, existe uma mĆ£e gameleira, que estĆ” lĆ” desde o sĆ©culo passado, quando ainda era terreiro, porĆ©m, foi derrubado. As gameleiras sĆ£o muito importantes para as religiƵes de matriz africana, pois era onde as pessoas colocavam suas oferendasā€ conta Rosemeire Silva, quilombola de Rio dos Macacos .


Os terreiros de santo foram destruídos e seus líderes perseguidos por causa de seus rituais religiosos. As Ôguas são fundamentais para as prÔticas de culto às religiões africanas, pois preservam a identidade quilombola, a integralidade e a visão de mundo dos seus descendentes. A prÔtica religiosa é comum na memória e na rotina da comunidade que resiste até os dias de hoje com essa cultura, sendo de total importância a garantia constitucional de proteção às comunidades e a preservação do patrimÓnio cultural brasileiro.

Desassistência estatal e insegurança alimentar

Os/as moradores/as do Quilombo Rio dos Macacos não têm acesso à Ôgua encanada proveniente da Embasa, que inclusive jÔ se posicionou por mais de uma vez afirmando que não seria viÔvel economicamente instalar uma rede de abastecimento no território quilombola. As Ôguas da Barragem se constituem, portanto, como a única fonte segura de Ôgua para os/as quilombolas, seja para a pesca, seja para o próprio consumo.


A cultura da comunidade sempre foi de partilha dos recursos. A posse da fonte de Ôgua - Barragem - até a decisão liminar era realizada mediante o uso compartilhado das Ôguas. A medida liminar na Ação Possessória interposta contra Associação Remanescente de Quilombo de Rio dos Macacos afeta diretamente um dos tripés da subsistência da comunidade, provocando grave crise alimentar e de saúde das famílias quilombolas.


Assim, a decisão também vai de encontro ao delicado momento que as comunidades tradicionais enfrentam frente à pandemia da Covid-19, fragilizando ainda mais suas possibilidades de superação da crise sanitÔria.


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