Proposta de construção de igreja no manguezal de Ponta do Capim mobilizou a população mareense a protestar contra o projeto, que ignora o fato de que o local é um território quilombola e Área de Preservação Permanente (APP)
A comunidade quilombola de Bananeiras, localizada na Ilha de Maré, em Salvador (BA), está preocupada com a intenção de uma construção em seu território tradicional, no local conhecido como Ponta do Capim. A área, que é utilizada historicamente pela comunidade para as práticas de pesca, lazer e geração de renda, tem sofrido especulação para ocupação irregular por parte de um senhor conhecido como Padre Kelmon Luís Souza.
Dentro deste contexto relatado ocorrem, no mínimo, duas violações de direitos. O primeiro diz respeito ao fato de que o território é reconhecidamente quilombola, portanto, se insere no decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, que regulamenta a titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. O segundo diz respeito ao seu caráter de Área de Proteção Permanente (APP), tendo em vista que, desde 2012, a Lei Federal nº 12.651/2012, define toda área de manguezal como APP.
Segundo relatos, Kelmon se identifica como representante da Igreja Católica e se diz responsável pela construção de uma futura paróquia na ilha da Baía-de-Todos-os-Santos. Após a sua chegada, a placa que avisava sobre a proteção da área foi destruída e a comunidade teria sido ameaçada verbalmente pelo padre, conforme relataram alguns moradores/as do território em reunião com a Defensoria Pública da Bahia. De acordo com a comunidade, sem pedir autorização, ele teria cercado e construído um local de oração provisório, o que seria um protótipo da futura igreja, de modo que a passagem ficou prejudicada.
A comunidade vive da pesca artesanal e as reservas são importantes para o seu sustento. A região do manguezal de Ponta do Capim se configura em uma área de grande produtividade pesqueira e não pode ser privatizada para um único tipo de uso. O local é também um espaço de celebração de eventos tradicionais pelos quilombolas e também de venda de serviços e produtos, como um meio de aumentar a renda do seu povo.
Ataques à comunidade por meio da imprensa tenta desviar a atenção da tentativa de invasão ilegal do território
Kelmon deu a sua versão da história em relação aos protestos da comunidade de Bananeiras. Em entrevista concedida ao site G1, ele afirma que moradores destruíram uma capela de bambu construída, na área de proteção ambiental, para celebração de missas e que o mesmo estaria sofrendo de intolerância religiosa. O argumento é questionado pela comunidade, visto a pluralidade religiosa dos moradores.
A população relatou também que o Sr. Kelmon, tem dado declarações de extremo conservadorismo para atacar a comunidade, chegando a intitular os/as mareenses de “esquerdopatas”. “Esse senhor, desde que chegou aqui, se comporta como proprietário das terras e vive deixando a comunidade apreensiva por causa do seu temperamento incendiário e ameaçador”, relatou uma residente do território.
Comunidade pede delimitação urgente
As comunidades de Ilha da Maré são reconhecidas quilombolas desde 2004 quando iniciaram o processo de reconhecimento e certificação junto à Fundação Cultural Palmares (FCP). Para impedir a invasão ilegal do território, como é o caso desse episódio, os moradores solicitam há anos o reconhecimento, delimitação, titulação e registro das terras ocupadas pelos quilombolas ao Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
Em 2008, o INCRA, em convênio com a Fundação de Apoio à Pesquisa, Ensino e à Cultura (FAPEC) reuniu uma equipe formada por especialistas nas áreas de antropologia, reforma agrária, e engenharias agronômica e agrimensura para realizar a caracterização histórica, econômica, ambiental e sócio-cultural das comunidades envolvidas no pleito territorial. Atualmente o processo está em finalização. Todo território tradicional já foi identificado e está registrado no Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID).
De acordo com a pesquisa, houve um aumento significativo do número de igrejas protestantes, além das próprias igrejas católicas. Por causa desse avanço, as manifestações culturais e religiosas tradicionais tem sido cada vez mais inibidas. De todo modo, nunca houveram relatos de que os remanescentes quilombolas tenham a qualquer tempo impedido a instalação de novas religiões no local, vide o fato de que várias pessoas têm se convertido para outras religiões e não há registros de hostilização pela comunidade.
Ademais, o local escolhido para a construção não pode ser usado em detrimento do uso natural e histórico pela comunidade de seu território tradicional. O que acontece é a busca dos/as mareenses pelos direitos da sua comunidade, que se baseia na proteção do território em que vivem e que está ameaçado de invasão ilegal, o que pode significar a inviabilização de uso tradicional dessas e das futuras gerações quilombolas.
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