Era fim de tarde da última sexta (14/5) quando moradores da comunidade tradicional geraizeira de Cachoeira, em Formosa do Rio Preto, no oeste da Bahia, ouviram barulhos vindos da área usada para criação de porcos. Ao chegarem no local, que havia sido destruído, foram recebidos a tiros pelos seguranças da empresa Estrela Guia, contratada pelo Agronegócio Condomínio Cachoeira do Estrondo.
Os geraizeiros conseguiram escapar e não foram atingidos pelos disparos. As Associações Comunitárias da Comunidade de Cachoeira e da Comunidade Geraizeira de Aldeia, junto a Associação de Advogados e Trabalhadores Rurais (AATR) e a Agência 10volvimento, informaram o fato ao Ministério Público Estadual e ao Ministério Público Federal, onde tramitam investigações sobre violações de direitos pelo condomínio. Uma queixa também foi prestada na Delegacia de Polícia de Formosa do Rio Preto .
A estrutura feita pela comunidade para a criação dos porcos foi derrubada
Não é a primeira vez que os geraizeiros - povo descendente de indígenas, quilombolas e sobreviventes da Guerra de Canudos, que vivem de forma tradicional e sustentável no Cerrado - sofrem tentativa de homicídio por parte de funcionários da Estrela Guia. Em 2019 foram registrados dois atentados com arma de fogo contra lideranças comunitárias do Alto Rio Preto, além de outras formas de ataques, violências e violações de direitos individuais e coletivos, como ameaças, agressões e até sequestro relâmpago de lideranças comunitárias. A estrutura de criação dos porcos destruída fica próxima a localidade onde uma dessas lideranças foi baleada, a área abriga uma das guaritas da Estrondo dentro do território tradicional de uso da comunidade e é monitorada por câmeras e seguranças armados da Estrela Guia, o que tem comprometido a criação de animais das famílias.
Assista “Cultivando Violência: Fazenda Estrondo”, do Greenpeace
Após o atentado, na última segunda (17/5) um dos gados da comunidade de Cachoeira foi encontrado morto por disparo de balas. A prática de intimidação tem sido recorrente, assim como o furto dos animais.
O episódio acontece após as comunidades do Alto Rio Preto instalarem placas de aviso dos limites do seu território tradicional, sinalizando a identificação da poligonal da área de acordo com o levantamento realizado pela Coordenação de Desenvolvimento Agrário (CDA) e na ação de manutenção de posse na qual as comunidades possuem decisão favorável, contra a Estrondo. “Sofremos constantemente invasão no território. A gente espera que com essa devida identificação qualificando o nosso território, quem entra já tenha a ciência que está entrando no território pertencente a nossa associação, assim como todas as associações do Alto Rio Preto”, explica Jossone Lopes, uma das lideranças comunitárias da comunidade de Cachoeira.
Instalação de uma das placas na comunidade de Cachoeira
A mesma opinião é partilhada por Luzineide dos Santos, da comunidade de Cacimbinha.“ Essas placas são um passo importante para marcar o nosso território e para mostrar também que quem tem o domínio dessas terras somos nós”, explica.
No último sábado (15/5), durante a instalação de uma das placas na comunidade de Aldeia, moradores foram surpreendidos por cerca de sete homens em duas caminhonetes, os quais se afirmavam donos da área com o intuito de intimidar e impedir a ação comunitária. “Muita gente tem entrado dizendo que é dono, que comprou na mão de pessoas que a gente desconhece. A gente coloca essa placa pra saberem que somos nós que estamos aqui”, explica o geraizeiro Arenaldo Ferreira. Não é a primeira vez que esses sujeitos realizam esse tipo de invasão na área, em 29 de janeiro deste ano a comunidade registrou fato semelhante na Delegacia de Polícia de Formosa do Rio Preto.
Histórico - O conflito fundiário entre as comunidades geraizeiras e a Fazenda Estrondo, administrada pelas empresas Delfim Crédito Imobiliário S/A, Cia de Melhoramentos do Oeste da Bahia (CMOB) e Colina Paulista, foi iniciado ainda na década de 70. O caso foi apontado em 1999 pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) como um dos maiores episódios de grilagem de terras no país, com 444 mil hectares em títulos falsificados pelas empresas. A área, que equivale a quase duas cidades de São Paulo, se insere na região conhecida por MATOPIBA, fronteira agrícola marcada pelo desmatamento para o plantio de soja, milho e algodão, onde se acumulam denúncias de grilagem e violência contra comunidades e posseiros.
Em junho do ano passado, a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) negou o recurso da Fazenda Estrondo contra a decisão judicial que protege a posse coletiva (43mil hectares) das comunidades geraizeiras de Aldeia, Cachoeira, Marinheiro, Cacimbinha, Gatos e Mutamba. Após esse julgamento, não existe mais possibilidade de reverter a decisão no TJ-BA. Em março de 2019, o Desembargador Augusto de Lima Bispo já havia proferido uma decisão que negou seguimento a Recurso Especial com o mesmo objetivo, direcionado ao Superior Tribunal de Justiça.
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