Desde o dia 16 de junho, cinco agricultores da comunidade quilombola Barra do Parateca, em Carinhanha (BA), estão sendo injustamente criminalizados, por razões que não podem deixar de vir a público. Quatro deles encontram-se injustamente presos e um está com o mandado de prisão decretado. O inquérito policial, que deu origem aos mandados de prisão preventiva e temporária contra os quilombolas, os acusa de ter praticado furto e associação criminosa, vinculados a um suposto arrombamento em local de propriedade atribuída ao Sr. João Batista Pereira Pinto - Juiz estadual na comarca de Vitória da Conquista, que há anos tenta se apropriar de parte do território tradicional da comunidade. A prisão dos quilombolas foi realizada em ação espetacularizada, envolvendo um grande número de policiais militares e civis, viaturas, armamento pesado e até drones.
Na investigação conduzida pela Polícia Civil há muitas inconsistências, inclusive a identificação da autoria do crime; não existem provas que justifiquem a deflagração das prisões contra os moradores da comunidade. No inquérito, consta alegação do funcionário da fazenda de que ele esteve fora entre os dias 01 a 04 de maio e ao retornar, no dia 06 de maio, teria percebido o arrombamento. Em sentido contrário, trecho do parecer técnico afirma que “Durante os exames, não foram observados sinais de arrombamento no portão de acesso principal à Fazenda. O mesmo estava trancado por corrente e cadeado”. No momento das prisões, nenhum dos objeto relacionados ao fato foi encontrado em posse dos moradores da comunidade.
A comunidade quilombola de Barra do Parateca trava, há séculos, a luta pelo reconhecimento de seus direitos. É uma comunidade encravada na beira do Rio São Francisco, em local de grande resistência histórica aos desmandos dos senhores da terras naquela região. Em 2005, foi expedida certidão de autorreconhecimento pela Fundação Cultural Palmares; em 2015 foi publicado, pelo INCRA, o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do território tradicional. Em paralelo, dezenas de ações judiciais foram propostas por fazendeiros atuais contra a União, o INCRA, a Fundação Cultural Palmares e associação comunitária. O objetivo destas ações era invalidar o Relatório e impedir a titulação do território quilombola.
Umas destas ações foi movida justamente pelo Sr. João Batista Pereira Pinto, em maio de 2010, a qual resultou na destruição ilegal de casas, roças e expulsão de animais do território tradicional. Não por mera coincidência, em um período de menos de três anos o Quilombo de Barra do Parateca foi alvo de duas grandes operações policiais, com envolvimento deste mesmo juiz, e que resultou então na criminalização de dezesseis quilombolas.
Em 2017, no mesmo ano em que foi publicada a sentença judicial que reconheceu a legalidade do processo de titulação do território, o mesmo magistrado decretou a prisão de onze quilombolas de Barra do Parateca por crime de roubo de animais, o que jamais foi comprovado, pois não foi cometida por eles. Destaca-se que aquela operação, que foi denominada de “Operação Boi Branco”, assim como a atual mobilizou um aparato policial jamais visto na comunidade rural.
São operações em tudo semelhantes às que foram enviadas de Salvador para combater o quilombo de Barra do Parateca nos séculos XVII e XVIII, conforme extensa documentação histórica. A Associação Comunitária denuncia que a prisão recente dos moradores da comunidade é, portanto, mais uma ação racista, que vincula os moradores desta comunidade negra rural a crimes que não cometeram, numa tentativa de intimidar e fazer recuar a defesa e garantia do território tradicional. Por todo esse histórico de injustiças, a que se soma mais este episódio, as associações abaixo assinadas denunciam publicamente e também se dirigem às autoridades públicas reivindicando a imediata liberdade dos cinco quilombolas presos e que as violações de direito e abuso de autoridade cometidos contra eles sejam apuradas devidamente e com celeridade.
Associação Agro-Pastoril Quilombola de Barra do Parateca
Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais
--
Foto: Polícia Civil/Divulgação
Comments