A comunidade quilombola de Iúna, localizada no município de Lençóis, Chapada Diamantina-BA, vem sofrendo com violências e não conta com segurança pública efetiva no território
Comunidade convive com violência e especulação imobiliária no território
Quando escreveu a sua tese de doutorado, Itamar Vieira Jr., vencedor do prêmio Jabuti de literatura, destacou os conceitos que nortearam sua escrita: terra, morada, trabalho, luta, sofrimento e movimento. Ao que parece, o sofrimento talvez seja na atualidade a expressão que mais se aproxima da realidade do território tradicional Quilombola Iúna, localizado no município de Lençóis, Chapada Diamantina-BA, abordado na tese do autor. Eram 08 horas da manhã de sexta-feira, 26 de janeiro de 2024, quando uma das lideranças chegou ao território tradicional e se deparou com a sua casa em chamas e com indícios de arrombamento.
As pegadas deixadas pelos invasores no terreiro, próximas à casa incendiada e ao redor de outras casas, entre outros indícios, sinalizam que possivelmente se trata de fogo criminoso. Foi possível identificar também outros vestígios, como tecidos que estavam em locais diferentes da casa com partes queimadas, indicando tentativas de atear fogo à casa e ao micro trator da Associação. Além da casa da liderança, outras casas foram invadidas, com sinais de arrombamento nas portas, com móveis e objetos revirados. No dia 27 de janeiro, a perícia da Polícia Civil esteve no local.
Esse ataque, que felizmente não resultou em vítimas fatais, potencializa a enorme insegurança da comunidade que luta para continuar no seu território ancestral, apesar do descaso do poder público. O território de Iúna iniciou o processo de regularização fundiária em 2010, tendo a conclusão do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) concluído em 2015, em um contexto de escalada de violências. Em 2023, o INCRA publicou a portaria de reconhecimento, e conforme a Autarquia, nessa etapa de regularização fundiária, os documentos reconhecem e delimitam os territórios das 39 famílias inseridas em Iúna. Enquanto a titulação não vem, o aumento da violência caminha junto com o conflito fundiário e causa o movimento, que Itamar também conceitualiza, mas neste caso aqui é no sentido de retirada, fuga por medo, fato que deixa como sequela a crescente descaracterização do território tradicional.
Cláudio Dourado, Agente da Comissão Pastoral da Terra, destaca que a situação fundiária não resolvida, fortalece a especulação imobiliária e provoca a constante desintegração com o espaço físico. “Essa chegada constante de novos moradores desestabiliza a segurança no território onde a existência decorria lenta e uniforme na rotina diária. Dessa forma, a relação ancestral com a pesca e o extrativismo tem sido enfraquecida, pessoas de fora têm mudado a dinâmica no território. O crescimento do monocultivo de banana, que não era uma tradição na comunidade, e o uso de bombas de irrigação, vem provocando desintegração e mudanças nas fronteiras, de luta e contradição, de ambiguidade e angústia, especificamente após as constantes crises hídricas do rio Utinga”.
Além disso, destaca-se que, próximo de completar 07 anos, o Massacre de Iúna ainda não foi esclarecido. Familiares das vítimas pedem respostas sobre quem assassinou e quem mandou assassinar seis quilombolas, no dia 06 de agosto de 2017.
O silêncio imposto que mata
No livro Torto Arado, uma das irmãs é impedida de se expressar verbalmente após um trágico incidente com uma faca afiada que a faz perder a língua. Seja a arte imitando a vida ou a vida imitando a arte, fato é que diversos episódios de violência em Iúna não vêm nem a público pelo medo da comunidade, devido à falta de garantias de segurança. No entanto, assim como as irmãs se reinventam para sobreviver, a comunidade de Iúna se nega a sucumbir às investidas de opressores no território, mas é certo que a justiça só será feita quando houver a regularização fundiária do território e os criminosos desse ataque recente e dos anteriores forem responsabilizados. Somente a partir daí esse território poderá viver plenamente da sua terra, morada e trabalho.
Por Comissão Pastoral da Terra- BA e Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais (AATR/BA)
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